tag:blogger.com,1999:blog-25766763135717904062024-02-19T12:28:24.816+00:00Espírito das EscadasNMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.comBlogger122125tag:blogger.com,1999:blog-2576676313571790406.post-44972133229875635902015-01-01T12:00:00.000+00:002015-01-01T12:00:04.067+00:00Extraordinariamente anual<div style="text-align: justify;">
Hei-de ser encontrado morto com a minha melhor camisa, engomada e atada com uma gravata impecável. Hei-de ter o teu nome nos braços e nos lábios. Hei-de ter a forma do teu corpo no peito e os teus olhos nos meus quando souberes que me mataste. Hei-de ser encontrado a vaguear pela cidade, pelo campo no mar. Balbuciarei que sei quem me matou, gritarei</div>
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-FOI ELA</div>
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a quem me olhar com a censura de quem julga ver um bêbado. Quando cair, estarrecido pela tua partida, não farei som algum. Serei um soldado desconhecido, um entre cem mil, sem nome ou pátria ou familiares directos.</div>
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Não ambiciono ficar na história, muito menos na tua. Daqui a uns tempos, quando me encontrarem prostrado ninguém saberá. E quando renascer, algures no mundo alguém saberá ou quererá saber de mim.</div>
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Até esse dia morro todos os dias um pouco, mesmo neste dia em que o ano começa tal como o anterior acabou: Eu a morrer na minha melhor roupa, de boca aberta sem emitir um único som.</div>
NMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2576676313571790406.post-87140395473584918322014-11-23T12:00:00.000+00:002014-11-23T12:00:01.726+00:00Mau Tempo<div style="text-align: justify;">
Há mulheres de quem se fala em murmúrio. Há mulheres de quem nem se fala não fosse essa materialização em palavras conjurar imediatamente a sua presença ou uma agitação coronária, uma comoção cerebral ou uma morte tão rápida que nem desse tempo para ais de alerta. Há mulheres quentes para as quais ainda falta inventar um tecido protector ou um gel curativo, há mulheres frias que deixavam neves eternas aqui em casa e em mim se eu falasse delas.</div>
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Daí minha única tempestade, meu terramoto, minha peste florida, eu nunca falar de ti. É medo, triste e pesaroso por não te partilhar. Não queria que ficasses cá fechada mas se te deixar voar explodes comigo e com este ninho fortificado onde te seguro. Só escrevo sobre ti porque as palavras são o meu território e nelas consigo conter-te como numa pequena cadeia, uma teia de aranha onde te posso guardar para mais tarde, num dia de mais coragem, te consumir e fazer-te meu sustento.</div>
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Nesse teu cabelo de fios leves, nesses lábios onde desenhas os ventos suaves da tua música há mais vida do que a que eu posso viver num século. No ar suave que te abandona a cada palavra há açucar suficiente para arruinar uma sanidade, duas vidas e três familias. Andam a escrever livros e a compor músicas, fotografias e pinturas à tua procura. És o rochedo que já nasceu esculpido e que não dá para facetar com mais limpidez. Tens em ti o calor do mundo, um vulcão que me assola de lava e me constroi uma montanha no peito expelindo rochas para todo o lado. Sou a traça que voa para a perdição luminosa, incinerado pela tua luz e pelo desejo de morrer num segundo dentro de ti. </div>
NMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2576676313571790406.post-84885612735976467442014-11-16T12:00:00.000+00:002014-11-16T12:00:05.460+00:00Verão em Novembro<div style="text-align: justify;">
Quando um dia tu me leres e já nada importar o que eu te escrevo, saberás que foi difícil manter-me por perto quando todos os polos se repeliam, quando os meus astros invertiam a gravidade e me cuspiam para longe de ti, minha estrela, meu asteroide, minha força final e extintora. Ficarás a saber também que acreditei até ao fim, como numa missão que só eu sei como resolver, se o fim chegou e depois do fim tu descobriste a garrafa de vidro onde deixo estes textos para leres se a maré vagar de feição.</div>
<div style="text-align: justify;">
Se um dia nos extinguirmos e nada ficar além de bacterias, ficam os poemas que te li e os que ouvi a desejar dedicar-te, escritos por gente já morta e ainda viva que sem te conhecer falava de ti com tanta verdade como se fossem teus amantes.</div>
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No dia em que leres isto, anos após a nossa separação ou quando o nosso segundo filho fizer oito anos, vais saber que todas as horas e orientações de que precisei sairam da tua mão, da incerteza do teu toque na extensão medrosa dos teus dedos nos meus. Saberás que era no rápido abraço que as aves migravam no nosso calor e no beijo furtivo que badaladas vibravam quem sabe do outro lado do mundo.</div>
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Quando tivermos a idade das recordações, para o bem ou para o mal, abraçados ou fatalmente desavindos, ficas a saber que hoje tenho saudades tuas e era tão suficiente vires cá a casa fazer amor comigo duas vezes antes de jantar, sorrires numa sesta e dares-me a mão antes da vulgaridade do nosso amor encandear a rua e o jardim até que as aves voltassem neste Verão em Novembro.</div>
NMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2576676313571790406.post-3636106944985533992014-09-07T12:00:00.000+01:002014-09-07T12:00:05.788+01:00Alfarrabista<div style="text-align: justify;">
Queria tanto ser um editor de coisas novas. Encontrar novas escritoras, novas obras com novas personagens onde colocar novas capas para adornar as prateleiras que trago em mim. Adorava ter novos enredos policiais e novas esperanças amorosas para encher os sábados chuvosos de sol esperançoso. Gostava de ter novas ficções e novas biografias.</div>
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Julgo que não consigo ser assim como queria e encontrar na novidade algo melhor do que ficou para trás em obras já lidas e aventuras já vividas. Sou um alfarrabista de amores que compila os falhanços em páginas amarelecidas a criar bicho. Às vezes entra-me uma freguesa na loja e tenta trocar um livro lustroso a cheirar a tinta e papel branco mas raramente passa da porta. Sou avesso à troca.</div>
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Claro que, como nos livros que guardo, um dia tinhas tu de me bater à porta a trazer o teu próprio livro amarelo não para trocar mas para partilhar. Aparentemente nos livros mais antigos há uma duzia de páginas por escrever onde se podem tirar notas ou, espero eu, escrever um último capítulo onde se salva a donzela, se matam os maus, e seguem os heróis felizes para sempre.</div>
<div style="text-align: justify;">
Para ti tenho sempre uma porta aberta e o marcador de livros na página mais fresca, mais pronta. Para ti, não o lápis fragilmente apagável, mas a tinta permanente da minha caneta mais ornada, aquela que estava na gaveta à espera de mãos firmes como as tuas com essa pele que me faz sorrir e chorar e que bebia de um só trago se pudesse.</div>
NMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2576676313571790406.post-23757385950671794742014-06-15T12:00:00.000+01:002014-06-15T12:00:05.890+01:00No banco<div style="text-align: justify;">
Faz anos que em Madrid me sentei a ver um bando de rapazes e algumas raparigas voar em patins em linha. Os tipos colocavam uns tantos copinhos de café de plástico no chão como percurso de slalom e lá seguiam acima e abaixo das formas mais criativas e dançarinas sem tocar nos ditos copinhos. Eu estava sentado no banco daquele parque à frente de um teatro, sem nada marcado ou planeado nem ninguém que me esperasse noutro local que não aquele. Eu era um anónimo que à época mal se conseguiria ter de pé nuns patins, quanto mais dançaricar entre obstáculos. </div>
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Aqui sentado agora ao computador, sem ninguém à minha espera em lado nenhum, dificilmente me consigo emocionar como naquele dia. Nestes quase três anos que passaram tenho-me sentado muito menos em parques a ver talentos jovens, não dou tantas moedas a artistas de rua, não reparo tanto na poesia stencilada da neo-delinquência sublime. Dou por mim ocasionalmente feliz, abençoado por ter muita sorte e o orgulho dos olhos mais bonitos do mundo a sorrir quando postos nos meus. </div>
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Ainda assim tenho saudade da dor de barriga de não saber nada, de estar perante o assombro de ter uma noite em branco sem nada planeado, tenho saudade de fazer coisas admiráveis e que me pasmam com a minha coragem. Descobrir que há coisas aqui em mim que precisei de tanto tempo para descobrir e fazer emergir.</div>
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Armado dos teus olhos, a voar nos teus braços, vai ser tudo muito mais fácil mas conto ter-te no banco a olhar-me. Não quero que sejas as minhas rodas de patim. Acredita que é um favor que te faço ao te querer só assistência. Quando me aplaudires, dou-te um abraço e vamos para casa porque amanhã trabalhamos.</div>
NMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2576676313571790406.post-28549975557400343502014-06-08T12:00:00.000+01:002014-06-08T12:00:06.478+01:00O exageroÉ com exagero que chegas sempre, um exagero de cheiros e sorrisos e eu a gostar de ti de forma exagerada também. À tua chegada parece ser sempre dia de ano novo e o fogo de artíficio a nem chegar para tanta alegria e esperança. É como se, sempre que chegas, o meu alarme matinal tocasse a minha música preferida, consistentemente, durante anos ou um resto de vida inteira...<br />
Ficamos sempre à porta de um céu enorme, a segurar uma onda imparável, quando estamos juntos e lá fora a vida continua sem nenhum de nós. <br />
E é assim seres o meu maior segredo, o ingrediente chave da fórmula dos sabores divinos que unem a familia à mesa, a razão de sorrir e florir inverno adentro.NMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2576676313571790406.post-1182428957595795222014-05-04T12:00:00.000+01:002014-05-04T12:00:07.049+01:00Bom dia, JoanaEncontraste-me feliz Joana, mesmo feliz, não um sorriso de reacção a adversidades ou de desafio mas um sorriso largo e franco. É justo que assim seja, tem dado trabalho fabricar esta felicidade, muscular esta massa flácida de emoções com que nasci, domar estas paixões que tanto me perigam e me fazem embater de frente nos outros.<br />
Chegaste neste dia de felicidade no qual acordei numa cama que não é a minha, com um coração entre as mãos que nem é o meu, e o sorriso que amo a dizer<br />
-Bom dia<br />
com a voz da surpresa alegre de quem sente o privilégio de ser heliocêntrico para alguém. Esse orgulho de se ser único no mundo logo ali desde a manhã. Escolheste mal o dia Joana, aparecerias há três meses atrás e o meu sorriso era só teu, a minha felicidade era tua responsabilidade. Eu seria toda a tua obra.<br />
Assim segues o teu Domingo, levas contigo esses olhos a condizer com a blusa, na cor e limpidez. Agradeço a simplicidade da tua leveza e do presente que deixaste, vou guardá-lo para usar num dia no qual seja dificil sorrir. Quebrar em caso de emergência o invólucro de tão grande carinho como é o teu. Confia em mim Joana, o que cá deixaste vai ser útil um destes dias.<br />
Mas não hoje. Hoje estou feliz e nem tu, com essas constelações no cabelo inquieto e esse toque de dedos primaveris, me consegues fazer sorrir mais.<br />
O pouco que ficou cá de ti, guardo cá dentro ainda assim. Fica a amadurecer e se regressares vais-me encontrar sorridente no reconhecimento de saber quem tu és e a dizer<br />
-Bom dia<br />
com o carinho de quem te poderia amar noutro continente, noutra década. NMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2576676313571790406.post-51234563363872864532014-04-20T12:00:00.000+01:002014-04-20T12:00:04.363+01:00À mesa<div style="text-align: justify;">
Prometeram-me que o meu ano passado era o início de tudo. Depois desse 2013, em nada aziago, a cor que os minutos seguintes traziam tornariam tudo o resto anterior numa escala de cinzentos sensaborona.</div>
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Poeta, minha amiga de infinitas canções, tinhas tanta razão.</div>
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A tal promessa, dada à mesa como é dever de todas as grandes promessas, faz agora um ano e depois das montanhas que atravessou aproveita agora um planalto para ver a vista e descansar. Foi uma boa viagem e merece o descanso dos justos nesta caminhada empedrada a desilusões e recuos que só desembocaram em avanços mais pronunciados e fulgurantes. As pedras fizeram-se para calcar e depois de por elas passar esquecê-las. Foi o que fiz, seguro que ainda assim tinha de olhar para a frente para te encontrar, meu vento, meu trigo, meu oxigénio. </div>
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Minha amiga, obrigado pela promessa, devo-te o resto da minha vida.</div>
NMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2576676313571790406.post-64249283751699751102014-04-06T12:00:00.000+01:002014-04-06T12:00:03.113+01:00Primavera privada<div style="text-align: justify;">
Às vezes bastava chegar à rua e ter em ti a minha casa, a minha janela. O número de porta onde me encontram. Por vezes penso que subiria mais uma vez essa rua se no final dela tivesse em ti um telhado, uma caixa correio e o tal jardim de que falávamos, onde os limões mais amarelos do mundo cresceriam, cairiam e apodreceriam sem o tempo de nos preocuparmos com isso.</div>
<div style="text-align: justify;">
Quando, súbita, me chegas à memória, com essa Primavera do teu desabrochar, do teu florir, do teu rebentar de vento quente sinto-me glorioso e toda a orquestra do meu organismo se organiza para te amar.</div>
<div style="text-align: justify;">
Para crer que tu és real e que o teu sorriso não é somente o resultado de uma noite que ainda dura, tenho de olhar bem nos teus olhos, naquela forma alucinada e séria com que por vezes te olho, por não estar certo de estar prevista a existência desse matizado de cores dos teus olhos, que ficam claros e escuros com o abrir e cerrar do sorriso que só tu tens. </div>
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É-me difícil acreditar em ti, como vês. Mas basta que me abras a porta da nossa casa, das nossas janelas, do nosso jardim. Basta que atendas o telefone e abras as nossas cartas. Basta que os limões continuem a cair e a alegremente se deixarem ignorar.</div>
<div style="text-align: justify;">
Basta-me que sorrias.</div>
NMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2576676313571790406.post-91916512598117465982014-03-30T12:00:00.000+01:002014-03-30T12:00:07.549+01:00Sal<div style="text-align: justify;">
Para te louvar, para todos saberem que há uma pessoa como tu cá, neste planeta, debaixo destas regras dos mortais e num país com alguma montanha e alguma planície, desenho palavras e começo a deslizar em adjectivos e comparações para chegar ao tracejado do teu cabelo, para demonstrar a aquosa liquidez dos teus olhos e para fazer-te chegar a quem nunca te viu e não sabe quem tu és.</div>
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Nos sofás onde nos demolimos, derrubamos a parede da farsa e da pouca circulação do ar, vem a mim a amendoada brisa do teu hálito nesta admiração próxima, terna e parece que lá fora faz sol de novo e há aves que acordam mais cedo. No pasmo de não saber o futuro e de que temas vamos falar amanhã guardo a mais pródiga certeza de ir sorrir, sorrir muito, com aquele sorriso de quem não tapa os dentes com vergonha e dá ao mundo a atenção que este só por vezes merece.</div>
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Se pudesse enchia-me do teu ar, se pudesse mergulhava em ti e deixava-te preencher-me e nunca mais secava. Nem ao sol, nem ao sal. </div>
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Mas é isto ser teu, a reserva de tempo destemida, o saber que há janelas onde circularemos livres até ao sofá, a entrar por esta só-nossa juventude a escrever correspondência solar e a assinar:</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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Teu,</div>
NMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2576676313571790406.post-78390809340156882452014-03-16T12:00:00.000+00:002014-03-16T12:00:01.998+00:00Sapatos rubros<div style="text-align: justify;">
Ando a ler mais sabes? Acho que só se consegue preencher de palavras úteis e belas um vocabulário se as inventariarmos através da leitura. E para ti quero mais palavras. </div>
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Naquele dia em que as tuas pernas pararam de dançar e se sentaram pacíficas na mesma mesa que as minhas, no banco tão ao meu lado que por vezes as tuas pernas e as minhas até se tocavam, percebi que não tinha tantas palavras para te oferecer quantas tu me davas a mim e quantas merecias. Restou-me o olhar e uns tantos toques fugidios para comunicar o quanto o teu perfume me assolou de tudo que era calma. Se as tuas pernas não estivessem ali paradas, tão serenas e desistentes, logo te puxaria para as pôr de novo em movimento, na hipnose do ritmo, no tempo da nossa batida unissona que em linha recta nos poderia até levar dali para fora.</div>
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Apetece-me dissolver as tuas pernas num copo de água e bebê-las. Apetece-me pô-las a desfilar para mim, na minha direcção, infinitamente até que as viesses demolir e apaziguar ao meu lado, num banco justo ao meu ou no meu colo, na minha cama. Para essas pernas, percebo agora, as palavras são curtas.</div>
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Para as tuas pernas, se são elas que trazem o teu sorriso e a tua alvura perfumada, construo uma estrada acolchoada, uma via verde para os meus braços, um par de sapatos fáceis de tirar. Podes vir quando quiseres, traz tudo o que é teu e não deixes as pernas à porta, eu e elas temos conversa para pôr em dia.</div>
NMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2576676313571790406.post-20445300829850712312014-03-09T12:00:00.000+00:002014-03-09T12:00:00.163+00:00As maestrinas<div style="text-align: justify;">
Dá para acertar o relógio por vós minhas almas, minhas musas, meus amores. Podia saber que hora é precisamente esta só pela simples duração do abraço que vós me haveis dado colectivamente naquele dia em que tanto dele precisava. É bom ter assim algo com que contar. Sois como maestrinas unissonas que me organizam a orquestra e me sincronizam os ritmos. Todos estes chinfrins dentro de mim só saem ordenados porque vos tenho a vós ao leme.<br />Assim tanto que vos devo e tanto falho em devolver, porque me parece que nem em dobro ficaria a dívida desta sanidade feliz que me dais paga, por todo este amor que me sossega. Esta constância em saber que quanto mais alto o trapézio mais resistente a rede que me aguarda, a doce crença que em cada esquina tenho um par de olhos por cima do meu ombro a olhar para a frente, a impelir o meu risco calculado, esta minha forma consciente de ser louco e não me preocupar com isso.</div>
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A vós, maestrinas desta minha desmesurada Primavera, ensaiadoras deste meu folclore moderno, encenadoras desta obra prima de três paredes só, uma ovação de pé e um agradecimento que durem dois séculos. Sem reservas e sem medos, sou vosso para sempre. É tudo que posso dar, esta vida inteira que tanto me coloris de ventos e flores, na duração de três mil abraços cá dos nossos.</div>
NMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2576676313571790406.post-70470467139670999072014-01-19T12:00:00.001+00:002014-01-19T12:00:09.629+00:00DorÉ uma dor sem medição e sem causa ou culpados. É um vazio inquieto como um vácuo estelar que suga toda a alegria para uma dimensão estrangeira. De súbito tu levas contigo a tua pele, o seu cheiro, a sua textura. Levas a voz e o som dos teus passos na minha carpete. Assim, de um momento para o outro, só ouço cá em casa os passos sedosos da gata e o cecear da chaleira com o dobro do chá que agora vou necessitar.<br />E a cama vazia.<br />
E as escadas sem ti.<br />O calendário sem os aniversários da tua família e das tuas amigas.<br />
O frigorífico sem os teus iogurtes.<br />
As manhãs sem o teu sorriso e dois conjuntos de chaves no móvel da entrada. A gata tão confusa, tão à espera de ti quanto as minhas mãos e os meus lábios. Tenho uma fome de ti que nenhum miar consegue traduzir.<br />
Neste primeiro dia de solidão, este dia que está parado nas vinte e uma horas e vinte seis minutos faz já demasiado tempo, tento raspar das paredes a tua voz e as tuas dedadas para as colar na minha pele uma vez mais. Uma última vez.<br />É uma dor que nem cá está, é a tua partida a doer noutro lado que nem aqui dentro nem ali fora. É uma dor imparável que bate contra uma dor inamovível. É eu não saber o que dizer à gata para que ela volte a comer. É eu não saber o que fazer de mim próprio para que a minha respiração retome a normalidade sem o teu oxigénio puro de mulher única. <br />Amanhã, que creio terá de chegar, vai ser uma dor diferente. Não estarás cá e a dor será diferente.<br />
É só que agora, agora, não sei o que fiz da alegria, como ela me visitará sem ti para abrires a porta e ma apresentares. Pensava que tinha decorado em criança como é que um humano se ri mas com a tua partida esqueci-me de como se faz.<br />
É, podias vir cá, só mais uma vez, relembrar-me como se sorri.NMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2576676313571790406.post-16854063996562062182013-11-17T12:00:00.000+00:002013-11-17T12:00:08.526+00:00Ceuta<div style="text-align: justify;">
Naquelas escadas, desenhadas habilmente por um arquitecto já morto, residem os mistérios de quase um século de mulheres que descem e sobem, chegam e partem. Acompanhadas por vezes mas na sua grande maioria sós. Há meses um arquitecto jovem, de olhos bem vivos, ouviu a história da improvável estatística das escadas daquele café, contou-lhe o próprio dono que durante décadas os poetas do Porto aprenderam a jogar bisca, sueca, damas, dominó ou bilhar só para povoarem o sopé das escadas à espera das musas que por vezes o eram simultaneamente para mais do que um desses poetas. Assim se criou o mito dos enganos, de como certas donzelas iam em curtos espaços de tempo à cave do café falsamente à procura da casa de banho para se banharem nas hábeis palavras dos jogadores inábeis. Diz-se que se fizeram casamentos e campeões da jogatana, que outros caíram na desgraça do jogo e da bebida que coligavam para esquecer a graça daquelas que subiam as escadas para nunca mais as descer.<br />Ao arquitecto, em fase apaixonada por uma moça que se vivesse nessas decadas das donzelas teria compêndios de sonetos dedicados só aos seus cabelos, pareceu importante mexer em tudo, apagar essas mesas de jogo onde poetas perderam a juventude, o dinheiro e os fígados mas às escadas deixar em paz para que novas pernas de perdição as percorressem a causar amores tão bons e tão maus. As obras foram avançando e a cor regressou ao espaço antigo, o bar aumentou, a casa de banho está mais brilhante. Quando se fez a inauguração, os poucos desses poetas ainda vivos regressaram pelas escadas até à sala das suas esperas e grandes jogadas, alguns ainda sabiam os velhos poemas de cor e ainda se lembravam do nome das donzelas, para quem as perderam e a quem as ganharam. Os campeões voltaram.<br />Por vezes, nesse café, por essas escadas, ainda desce uma dessas mulheres com cabelos que não cabem nesta década, com olhos tão grandes que não cabem neste texto e causam assim daquelas paixões que mal cabem numa vida inteira. À sua espera estão os novos poetas, os que registam em palavras o abalo que passa ao lado dos sismógrafos.</div>
NMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2576676313571790406.post-57291265075953213982013-11-10T12:00:00.000+00:002013-11-10T12:00:06.210+00:00FulminanteAtrasei-me meu amor, não é hábito meu, tu sabes, mas atrasei-me. Estava para colocar em palavras esta coisa nossa, este segredo, mas atrasei-me. Culpo a surpresa do teu surgimento, o imediatismo do nosso amor e a facilidade com que o abraço se enlaça por este meu atraso. A culpa é pouco minha como vês.<br />
Talvez chegue tarde e quando o souberes já não tenha importância mas, neste dia que já chega além do esperado e merecido, eu amo-te. Tento escrever em letras mais pequenas para leres num dulcíssimo sussurro como quando naquelas ocasiões nuas de paixão me remeto à delicadeza dos teus ouvidos para lá te depositar o verbo amar enquanto te amo de corpo inteiro. Outras vezes tenho o meu amor no jantar que te preparo ou nas caricias que ao final do dia te acalmam os pés. A maioria daz vezes o amor que te tenho é uma coisa só minha, que vive cá dentro à prova de Outonos.<br />Havia uma cidade vazia antes de chegares, havia mar sem peixes e ar sem aves. Antes de ti, mal consigo recordar agora o que me fazia falta e o que procurava por aí nas coisas que ainda faço e que me fazem sorrir por poder partilhá-las contigo. Já há o antes e o depois da nossa invenção, das nossas aventuras, quem planta um sorriso tem o privilégio de poder vir cá colher os frutos e, meu amor, como podes já encher cestas e camiões com tanta alegria em flor.<br />
Ainda assim, se chegar tarde, não tem mal. Nada se deve a quem nos ama, e se a despedida chegar, abrupta como o final de um dia, nada mais interessa do que agradecer o tempo que partilhado se fez nosso e num abraço, sem qualquer vergonha, ali à porta dos teus ouvidos, sussurrar na letra mais pequena do mundo<br />
-Amo-te.NMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2576676313571790406.post-45138236853461442932013-09-22T12:00:00.000+01:002013-09-22T20:44:17.333+01:00Vitreo<div style="text-align: justify;">
Vai chegar o dia em que tudo será ruina e treva, vais partir com a enxurrada de lágrimas que me está prometida e pouco restará do sol que agora vigora.<br />No entanto não me vês preocupado porque nesse dia, à tua partida, levarás contigo o agradecimento de teres sido minha durante o tempo fugaz da voracidade humana da posse, de por um momento o planeta ser geocêntrico em nós e todas as manhãs terem nascido e todos os crepúsculos terem morrido por nossa causa.<br />Daí eu olhar para amanhã a sentir-me pequeno e mesmo assim nem pensar em felicidade ou tristeza porque alturas há em que transcendemos o que pode ser dito ou escrito ou pintado e é essa metafisica privada que tu trazes com esse teu perfume e esse teu olhar que me entregas desmesuradamente, convencida que as minhas mãos te conseguem suportar quando nem num abraço te consigo abarcar. Tu que és tão maior que a vida, tão impossível, tão sobrenatural. Aqui contigo, no teu corpo nu, pareço sempre o homem mais mortal do mundo, enganadoramente vigoroso quando te amo. Lá vou disfarçando a vitrea precariedade do meu esqueleto quando estou enraizado no teu corpo sem nada mais que o meu amor e os olhos incrédulos por ti.</div>
NMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2576676313571790406.post-22514929772061795982013-08-25T12:00:00.000+01:002013-08-25T12:00:05.570+01:00O dispensável<div style="text-align: justify;">
Da ausência e do silêncio nunca nos fica muito a dizer. Se houvesse algo a comunicar teria sido feito em tempo oportuno e não se aguardava pelos regressos. Então de ti levo este deserto de tudo, esta aridez estéril, este passar por aqui com tanta frescura e flores, seres esta primavera que tanto esperava mas que este ano não passa por cá, como uma andorinha que se afasta do grupo e vai nidificar numa terra só sua.</div>
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Se um dia voltares acho que já não existe por cá este país de peito aberto, sou raso como uma praia e dizem que o nível das águas anda a subir e o mar conquista terreno todos os anos aos países como eu. Tu, de montanhas e picos feita, pareces imune às águas. Eu, arenoso do tal deserto que ficou, vou permeando o sal, tão amolecido já do duro hábito de me desmoronar em lágrimas só de te imaginar por cá, tão perto mas sem mim.</div>
NMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2576676313571790406.post-88454822165795980052013-07-07T12:00:00.000+01:002013-07-07T12:00:02.910+01:00Abandono do oxigénio<div style="text-align: justify;">
Ao enumerar o que acho serem as razões para te amar, nesta tua exigência impossível de me pedires para colocar em palavras os porquês, os quantos e os comos do meu amor por ti pensei fazer uma lista com tópicos e rabiscos. Quando acabassem as palavras entrariam os desenhos em auxílio e acho que era capaz de te satisfazer durante uns tempos até que um dia, mais frio ou mais quente, sei lá, nunca entendi porque me perguntas estas coisas, me voltarias a questionar sobre as coisas que não se explicam nem quantificam. Não se ama muito nem pouco, ama-se.<br />Ainda assim, tens uma certa razão, as coisas envelhecem, julgo que o coração, como a nossa cara, ganha rugas de expressão e tu já me colocaste cá umas tantas de felicidade e apagaste as poucas tristes que tinha. Fico descansado por saber que só tenho de me preocupar com o colesterol e com as arritmias congénitas porque de falta de amor o meu coração não se fina de certeza. Por isso em verdade te digo que vivemos esta nossa eterna juventude de sermos belos e calorosos mesmo nas ausências que se revestem de quilates de saudade para serem trocados nessa transacção mais carinhosa dos abraços nos regressos.<br />Sabes que andei a ler os rótulos dos teus perfumes, do sabonete que usas, do teu champô e penso que posso, com toda a segurança, trocar o oxigénio por todos esses aromas que andam contigo. Deixo de respirar ar atmosférico e passo a respirar o ar que te rodeia, nessas pautas de flores e açúcares que a tua pele fermenta para me alcoolizar da forma menos invasiva que conheço.</div>
NMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2576676313571790406.post-84778253172814584992013-06-16T12:00:00.000+01:002013-06-16T12:00:08.884+01:00O que aprendiEu. Filho único. Balança. Aprendi até agora:<br /><br />-Os velhotes têm sempre razão. Não há nada que os meus pais, avós ou amigos mais velhos me tenham dito que não seja certo. Ilusão, desilusão, alegrias e tristezas. Eles estiveram lá, fizeram isso e os relatos de como foi bom e mau são verídicos.<br /><br />-Ainda assim temos de lá ir, fazer aquilo e sofrer como eles. Passar a palavra aos nossos mais novos.<br /><br />-As pessoas são substituíveis no sentido em que a falta que nos fazem é colmatada pelo que outra de seguida nos traz. A saudade chega a tempos mais espaçados entre si até ser um evento anual.<br />
<br />
-Ainda assim a forma como aquela me tocava na mão e a outra dizia os Rs não existem em mais ninguém no planeta inteiro.<br />
<br />
-Pouca gente merece o nosso melhor mas isso não deve evitar que o mostremos a todos. Não há que emburrecer o nosso discurso para caber na média. Que a fasquia se eleve connosco.<br /><br />-A qualidade média das pessoas é bastante baixa.<br /><br />-A natureza é bela como o são aqueles poemas que não se mudam, as fotos que não se retocam ou as pinturas às quais uma moldura não faz falta. Quando algo é assim perfeito é intocável e há que ter a humildade de saber que há coisas que não conseguimos melhorar.<br /><br />-A música é sempre melhorável. Há demasiadas versões para se achar que alguma vez se chega à plenitude.<br /><br />-As pessoas querem ser ouvidas mas não estão habituadas a o serem e acham estranho quando estamos em silêncio demasiado tempo a ouvi-las.<br /><br />-Há sempre alguém que faz algo naturalmente muito melhor que nós com treino e esforço.<br />
<br />
-Pode até haver mais do que um grande amor da nossa vida, mas não simultaneamente.<br />
<br />
-Tragam sempre uma caneta convosco.<br /><br />-É preciso aprender quando gritar, falar, sussurrar. Há palavras que só se usam num destes modos, outras podem-se usar em todos.<br /><br />-Sussurrar não tem de ser ao ouvido, pode ser olhos nos olhos, àquela distância em que os olhos parece que se fundem num só. Pode ser só em leitura de lábios.<br /><br />-Há sempre espaço para a doçura, para a vulnerabilidade, para o carinho. E quando o alvo da nossa afeição nos desvaloriza outras paragens existirão onde as novidades serão mais bem vindas.<br /><br />-Os dias e seus acontecimentos são como um puzzle colocado numa mesa vibratória. Dando suficiente tempo, eventualmente, as peças cairão todas no sítio devido.<br /><br />-Os sentimentos que temos pelas pessoas que nos identificam são as peças do canto sem as quais não se descobria o nosso núcleo.<br /><br />-"Só se pode ser salvo pelo amor".NMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2576676313571790406.post-68666619657431481182013-05-26T12:00:00.000+01:002013-05-26T12:00:03.359+01:00Seco<div style="text-align: justify;">
Até te conhecer não sabia estar ao balcão de um bar. Quando tinha vinte anos sentei-me pela primeira vez ao balcão de um restaurante e gostei. Via o meu pai comer ao balcão e sempre me apeteceu fazer o mesmo mas um miúdo não tem coragem de se sentar ao balcão e tive de esperar para ser maior para ganhar a coragem de comer entre os solitários ocupados que ocupam os balcões de restaurantes.Ainda assim, ninguém me ensinou a estar ao balcão de um bar.<br />Uma vez disseram-me</div>
<div style="text-align: justify;">
-Há coisas que um homem aprende sozinho</div>
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e não foi o meu pai que mo disse. Suponho que essa coisa de estar ao balcão de um bar seja das coisas que um pai não ensina.<br />Há aquela imagem estilizada do homem sentado ao balcão com o olhar baço a contar mal quantos copos vazios tem à frente. Isso é um mito. Nenhum barman que se preze deixa mais de dois copos em cima do seu balcão, também não conheço nenhum que limpe os copos com o pano enquanto faz conversa de ocasião com o cliente. Um barman conhece o cliente pelo nome e o seu pedido habitual. Um barman sabe também que se o cliente quisesse conversa tinha ligado a um amigo. O meu barman serve-me sempre o mesmo em silêncio se não contar com as saudações de chegada e partida. É um bom barman.<br />Mas como disse, foi contigo que aprendi a estar ao balcão de um bar. Ensinaste-me a precisar de ir beber fora para sair de casa um bocado, naquele jeito alienado de ir a um sítio onde ninguém nos espera saído de um sítio onde ninguém nos quer.<br />Da tal imagem cinematografica da bebida ao balcão confirmo o olhar baço, perdido em tantos rótulos e luzes e risos de mulheres tão novas e tão graciosas quanto tu eras antes de eu te envelhecer. É que nem uma lágrima porra, nem uma pequena lágrima que não deixasse o olhar ser tão plano. Este olhar que tantas vezes te viu emocionado nos regressos e que se foi um dia sem avisar. Já não mora connosco o amor que outrora nos trazia os risos.<br />Não, não aprendi a estar num balcão de um bar por tua causa. Fui eu que me trouxe aqui, aprendi sozinho a estar cá e aprendi sozinho qual a bebida que melhor raspa a tristeza de nós até à manhã espessa.<br />O meu pai não me ensinou a beber mas ensinou-me as flores que demoram mais tempo a secar e ensinou-me que um homem não pode dizer muitas vezes que ama a sua mulher porque esse sentimento é a única coisa que temos de precioso e não pode ser transaccionado assim ao desbarato.<br />Não sei onde vou encontrar uma florista aberta às duas da manhã mas vou pagar aqui a conta e mal chegue a casa digo que te amo na esperança de não teres tu aprendido a estar em qualquer lado sem mim. </div>
NMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2576676313571790406.post-13240399323661305362013-04-28T12:00:00.000+01:002013-04-28T12:55:34.969+01:00Tirania<div style="text-align: justify;">
Quando te escrevi um livro não te disse nada e quando plantei uma árvore em teu nome ainda guardei mais segredo.<br />
Julgo que para ser homem tenha agora de te dizer que temos de ter um filho, vontade que não poderei manter secreta por ser óbvia a tua participação nesta minha empreitada. Que dura tirania esta de ter de ser homem sem manter o segredo disso.</div>
NMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2576676313571790406.post-74934796541662752402013-03-31T12:00:00.000+01:002013-03-31T12:00:00.365+01:00On<div style="text-align: justify;">
Há uns tempos, cheguei a casa e pelo ar sentia-se aquele peso adocicado de uma fuga de gás. Tinham-me dito dias antes que num espaço fechado com ar inquinado tínhamos cerca de quatro segundos antes que uma tontura nos atirasse para o chão por falta de oxigénio então, mantendo a apneia, lá entrei em casa e abri todas as janelas que consegui encontrar para purificar o ar. Nunca me ocorreu acender uma luz ou uma chama para alumiar a rota para a limpeza.</div>
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É por isso que não me assusto com o ar perigoso e avanço firme nessa casa frondosa e simultaneamente tão aconchegada que é o teu coração, abro-lhe as janelas e as varandas, as portas das traseiras, respiradouros e postigos. Quero atear uma lareira serena em ti, quero-te trazer a luz e o calor com o tempo do carinho e devolver a luz a essa tão tua, tão minha casa. Mas antes tenho de aguardar que a purificação chegue em brisas e correntes de ar e resistir à sede tentadora das luzes imediatas que só resultam em explosões incineradoras e fugazes.<br />
A explosão que trago comigo vai acontecer e durar como uma pira olímpica que percorre o seu árduo percurso para numa festa encher todo o mundo de inspiração. E, de tão bela, declarar-se-á que não mais se apague a chama, que se ignore o botão de On/Off e que por séculos se conte a história de como alguém trouxe ao peito oxigénio puro que entregou seguro no destino após percorrer um caminho de doçura que não pesou nada porque caminhou, correu, penou por gosto.</div>
NMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2576676313571790406.post-78320206163137262902013-03-17T12:00:00.000+00:002013-03-17T12:00:04.068+00:00Foguete<div style="text-align: justify;">
Quando dormimos juntos eu sonho mais. Tanto a dormir como acordado. </div>
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Fico com os olhos presos num ponto incerto e fixo o olhar certeiro enquanto o cérebro sai de mim levado pelo coração. Em alguns desses sonhos eu sou mudo e quero-te dizer coisas e elas não saem. Noutros sonhos, os despertos, apenas te olho sem dizer nada, tu dormes para o teu lado e eu acordado a sonhar de olhos abertos que tu estás ali e eu naquele ridículo de não acreditar. Habitualmente acordo-te com uma desculpa de ser tarde ou de precisar de mudar de posição e quando acordas e sorris eu percebo o tal ridículo e durmo mais rápido para fugir ao embaraço de descrer que ali estão os teus ombros, os teus lábios e os teus olhos.</div>
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Temo que tal como no poema do Eugénio um dia as palavras se tornem vulgares e deve ser por isso que quando durmo contigo sonhe que sou mudo e que tu ficas sem saber por quais caminhos galga o meu amor. Haverá sempre um sopro de água que derruba as margens e leve as roupas que secam à beira rio, haverá sempre uma flor em tempestade que ultrapasse as alergias e te traga os aromas do nosso abraço, haverá sempre um prato e um copo, cheios a gosto de quantidade e qualidade, para trazer ao nosso interior a nutrição que por vezes nem uma semana de viagens consegue trazer. Haverá sempre algo que te tire as palavras e as substitua com perfeição vencendo as saudades que temos de poesia entre bocas separadas.<br />Há um festival de fogo de artificio no qual duas igrejas gregas competem apontando os foguetes ao sino uma da outra tendo imensos edifícios à sua volta. Todos os anos há incêndios e janelas estouradas, feridos e danos materiais avultados. As pessoas falam naquela mitológica terra de cegos onde alguém com um só olho rege e eu gosto de pensar que as pessoas destas duas aldeias são mudas. Não sabendo como se fazer ouvir e sendo as palavras escritas insuficientes decidem lançar explosões e cor aos seus vizinhos como que a dizer as boas noites, como está, lamento, amo-te. Todas as coisas que por vezes quero dizer mas no sonho não consigo porque sou mudo.<br />Nas notícias dizem que as tais igrejas gregas têm uma tradição nacionalista que justifica a festividade pirotécnica. Eu prefiro acreditar que eles são apenas mudos que amam tanto que só lançando fogo voador conseguem apaziguar a felicidade e a dor.</div>
NMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2576676313571790406.post-42711279774054139032013-03-03T12:00:00.000+00:002013-03-03T12:00:03.862+00:00LP 100 MT<div style="text-align: justify;">
O meu relógio diz as horas mas também diz, por trás, que é resistente à água. Há uma grande diferença entre ser resistente a e ser à prova de algo. Em relação a ti, só para não dar exemplos poéticos e rebuscados, sou bastante resistente mas não sou à prova de ti. </div>
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Às vezes submerjo-me em ti sem querer e depois fica cá dentro uma condensação inestética. Ainda no outro dia enterrava sem reparares toda a minha cara nesse teu cachecol tão fino como se dele para mim passasse essa fina película de aroma que te circunscreve como uma aura colorida.</div>
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Acho que vou ter de me sentar e fazer uns cálculos para entender a distância até à qual sou estanque e não deixo entrar nada. Vou-me impermeabilizar e aumentar a minha resistência até ser assim um perfeito à prova de amor para que a tal condensação lacrimejante nunca mais caia e me estrague as engrenagens só por te ver, ali, à minha espera dentro do carro.</div>
NMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2576676313571790406.post-64024826637643722242013-02-17T12:00:00.000+00:002013-02-17T12:00:02.221+00:00Estados<div style="text-align: justify;">
Há perguntas que nem sabemos existirem. Há uns anos uma quantidade considerável de cientistas fechou-se num laboratório para responder à questão "Vidro: Liquido ou sólido?"</div>
<div style="text-align: justify;">
Esta era uma questão que me parecia de fácil resposta, os vidros estão lá, nas janelas, não se estão a escorrer para o chão. Está respondido e podiam todos regressar a casa. Mas os especialistas lá mostravam imagens de janelas de casas antigas nas quais o fundo era mais espesso que a parte superior. Defendiam que o vidro era um líquido de arrefecimento lento. Que ia assentando durante séculos até eventualmente haver um dia no qual o vidro descola da parte de cima e, de forma dramática, escorre para o chão.</div>
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Não me recordo a que conclusão chegaram os cientistas mas a mim os amores sempre foram transparentes. Nunca gostei de mulheres de vidro escuro e muito menos tinha paciência para me protegerem da luz. As janelas dos especialistas desfocavam a visão na parte mais grossa do fundo e isso também me chegaram a fazer, naqueles momentos mais pesados e difíceis de ultrapassar, certas mulheres desfocaram-me a visão e não deixaram que eu visse a realidade.</div>
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Mais do que a fragilidade e a transparência interessa-me esta inexplicação de coisas comuns e diárias. O vidro, tal como o amor, acontece-me todos os dias e não sei se o posso chamar de sólido, líquido ou gasoso. E estou a falar do meu que acorda dentro de mim todos os dias. Ao teu, que acorda aí tão longe e fora da minha cama, em manhãs nas quais os bons dias não são dados, nem sei como o qualificar. O amor parece-me tão volátil que, mesmo nestes tantos anos que passaram, de líquido só temos lágrimas e de sólido só temos o abraço. Tudo o resto foi, está a ir, irá ainda desagregar-se em estado gasoso levado com a brisa sem ser certo que um dia, noutro lugar, se volte a juntar numa duna de amor.</div>
NMhttp://www.blogger.com/profile/00409594761500987793noreply@blogger.com0