22 de julho de 2012

O senhor sem nome

Os gatos tinham adoptado aquele senhor. Diz quem tem gatos que nunca se tem um gato, o gato tem-nos a nós. Portanto digo que os gatos adoptaram o tal senhor. Ele, o senhor, lá pagava a sua taxa de adopção em géneros, servindo patés e rações que muito pareciam aprazer aos gatos.
Os gatos, mesmo os mestiços e bastardos eram bem educados e nunca tocavam no delicioso peixe que o senhor comprava logo de manhãzinha no mercado perto do mar, perto de casa. O senhor grelhava-os ao vento e, por mais que olhassem e miassem, para os gatos só continuava a haver ração e paté. Havia muita daquela suposta falsa caricia com o corpo como que a dizer
-Eu até gosto de ti
naquela linguagem corporal que é a dos gatos. Mas o senhor não vacilava e avançava pelos peixes adiante, resgatados das brasas de carvão, precisando de todos os dedos da sua mão direita (que eram só quatro) para contar os peixes que comeu. Com esses mesmos dedos ofereceu aos gatos as cabeças dos peixes, prenda que muito lhes parecia agradar embora notassem, como só os gatos o fazem entender, que a maior parte do peixe já lá não estava.
Um dia a porta do senhor não abriu. Esta era uma casa antiga, tinha duas portas, uma de madeira e outra de alumínio. A de madeira via todos os dias, a de alumínio ando agora a ver todos os dias mas demorei uns tantos, bem mais que os dedos que tenho em ambas as mãos (ainda conto dez deles), a entender que a porta de alumínio era como o proverbial caixão de chumbo que nunca mais se abre e não deixa ver o ente querido defunto.
Os gatos não ficaram todos, só por lá andam três que se vão mantendo com aquela suave banditagem dos animais urbanos que caçam pequenos animais vivos, recolhem pequenos restos dos caixotes e contam com a secular bondade dos estranhos. Eu e os gatos temos uma coisa em comum. Não nos interessava o nome do senhor. Apenas interessava que fazia o bem e comia peixe que não partilhava com ninguém. 
Isso basta-me.