30 de março de 2014

Sal

Para te louvar, para todos saberem que há uma pessoa como tu cá, neste planeta, debaixo destas regras dos mortais e num país com alguma montanha e alguma planície, desenho palavras e começo a deslizar em adjectivos e comparações para chegar ao tracejado do teu cabelo, para demonstrar a aquosa liquidez dos teus olhos e para fazer-te chegar a quem nunca te viu e não sabe quem tu és.
Nos sofás onde nos demolimos, derrubamos a parede da farsa e da pouca circulação do ar, vem a mim a amendoada brisa do teu hálito nesta admiração próxima, terna e parece que lá fora faz sol de novo e há aves que acordam mais cedo. No pasmo de não saber o futuro e de que temas vamos falar amanhã guardo a mais pródiga certeza de ir sorrir, sorrir muito, com aquele sorriso de quem não tapa os dentes com vergonha e dá ao mundo a atenção que este só por vezes merece.
Se pudesse enchia-me do teu ar, se pudesse mergulhava em ti e deixava-te preencher-me e nunca mais secava. Nem ao sol, nem ao sal. 
Mas é isto ser teu, a reserva de tempo destemida, o saber que há janelas onde circularemos livres até ao sofá, a entrar por esta só-nossa juventude a escrever correspondência solar e a assinar:


Teu,

16 de março de 2014

Sapatos rubros

Ando a ler mais sabes? Acho que só se consegue preencher de palavras úteis e belas um vocabulário se as inventariarmos através da leitura. E para ti quero mais palavras. 
Naquele dia em que as tuas pernas pararam de dançar e se sentaram pacíficas na mesma mesa que as minhas, no banco tão ao meu lado que por vezes as tuas pernas e as minhas até se tocavam, percebi que não tinha tantas palavras para te oferecer quantas tu me davas a mim e quantas merecias. Restou-me o olhar e uns tantos toques fugidios para comunicar o quanto o teu perfume me assolou de tudo que era calma. Se as tuas pernas não estivessem ali paradas, tão serenas e desistentes, logo te puxaria para as pôr de novo em movimento, na hipnose do ritmo, no tempo da nossa batida unissona que em linha recta nos poderia até levar dali para fora.
Apetece-me dissolver as tuas pernas num copo de água e bebê-las. Apetece-me pô-las a desfilar para mim, na minha direcção, infinitamente até que as viesses demolir e apaziguar ao meu lado, num banco justo ao meu ou no meu colo, na minha cama. Para essas pernas, percebo agora, as palavras são curtas.
Para as tuas pernas, se são elas que trazem o teu sorriso e a tua alvura perfumada, construo uma estrada acolchoada, uma via verde para os meus braços, um par de sapatos fáceis de tirar. Podes vir quando quiseres, traz tudo o que é teu e não deixes as pernas à porta, eu e elas temos conversa para pôr em dia.

9 de março de 2014

As maestrinas

Dá para acertar o relógio por vós minhas almas, minhas musas, meus amores. Podia saber que hora é precisamente esta só pela simples duração do abraço que vós me haveis dado colectivamente naquele dia em que tanto dele precisava. É bom ter assim algo com que contar. Sois como maestrinas unissonas que me organizam a orquestra e me sincronizam os ritmos. Todos estes chinfrins dentro de mim só saem ordenados porque vos tenho a vós ao leme.
Assim tanto que vos devo e tanto falho em devolver, porque me parece que nem em dobro ficaria a dívida desta sanidade feliz que me dais paga, por todo este amor que me sossega. Esta constância em saber que quanto mais alto o trapézio mais resistente a rede que me aguarda, a doce crença que em cada esquina tenho um par de olhos por cima do meu ombro a olhar para a frente, a impelir o meu risco calculado, esta minha forma consciente de ser louco e não me preocupar com isso.
A vós, maestrinas desta minha desmesurada Primavera, ensaiadoras deste meu folclore moderno, encenadoras desta obra prima de três paredes só, uma ovação de pé e um agradecimento que durem dois séculos. Sem reservas e sem medos, sou vosso para sempre. É tudo que posso dar, esta vida inteira que tanto me coloris de ventos e flores, na duração de três mil abraços cá dos nossos.