20 de abril de 2014

À mesa

Prometeram-me que o meu ano passado era o início de tudo. Depois desse 2013, em nada aziago, a cor que os minutos seguintes traziam tornariam tudo o resto anterior numa escala de cinzentos sensaborona.
Poeta, minha amiga de infinitas canções, tinhas tanta razão.
A tal promessa, dada à mesa como é dever de todas as grandes promessas, faz agora um ano e depois das montanhas que atravessou aproveita agora um planalto para ver a vista e descansar. Foi uma boa viagem e merece o descanso dos justos nesta caminhada empedrada a desilusões e recuos que só desembocaram em avanços mais pronunciados e fulgurantes. As pedras fizeram-se para calcar e depois de por elas passar esquecê-las. Foi o que fiz, seguro que ainda assim tinha de olhar para a frente para te encontrar, meu vento, meu trigo, meu oxigénio. 
Minha amiga, obrigado pela promessa, devo-te o resto da minha vida.

6 de abril de 2014

Primavera privada

Às vezes bastava chegar à rua e ter em ti a minha casa, a minha janela. O número de porta onde me encontram. Por vezes penso que subiria mais uma vez essa rua se no final dela tivesse em ti um telhado, uma caixa correio e o tal jardim de que falávamos, onde os limões mais amarelos do mundo cresceriam, cairiam e apodreceriam sem o tempo de nos preocuparmos com isso.
Quando, súbita, me chegas à memória, com essa Primavera do teu desabrochar, do teu florir, do teu rebentar de vento quente sinto-me glorioso e toda a orquestra do meu organismo se organiza para te amar.
Para crer que tu és real e que o teu sorriso não é somente o resultado de uma noite que ainda dura, tenho de olhar bem nos teus olhos, naquela forma alucinada e séria com que por vezes te olho, por não estar certo de estar prevista a existência desse matizado de cores dos teus olhos, que ficam claros e escuros com o abrir e cerrar do sorriso que só tu tens. 
É-me difícil acreditar em ti, como vês. Mas basta que me abras a porta da nossa casa, das nossas janelas, do nosso jardim. Basta que atendas o telefone e abras as nossas cartas. Basta que os limões continuem a cair e a alegremente se deixarem ignorar.
Basta-me que sorrias.