22 de setembro de 2013

Vitreo

Vai chegar o dia em que tudo será ruina e treva, vais partir com a enxurrada de lágrimas que me está prometida e pouco restará do sol que agora vigora.
No entanto não me vês preocupado porque nesse dia, à tua partida, levarás contigo o agradecimento de teres sido minha durante o tempo fugaz da voracidade humana da posse, de por um momento o planeta ser geocêntrico em nós e todas as manhãs terem nascido e todos os crepúsculos terem morrido por nossa causa.
Daí eu olhar para amanhã a sentir-me pequeno e mesmo assim nem pensar em felicidade ou tristeza porque alturas há em que transcendemos o que pode ser dito ou escrito ou pintado e é essa metafisica privada que tu trazes com esse teu perfume e esse teu olhar que me entregas desmesuradamente, convencida que as minhas mãos te conseguem suportar quando nem num abraço te consigo abarcar. Tu que és tão maior que a vida, tão impossível, tão sobrenatural. Aqui contigo, no teu corpo nu, pareço sempre o homem mais mortal do mundo, enganadoramente vigoroso quando te amo. Lá vou disfarçando a vitrea precariedade do meu esqueleto quando estou enraizado no teu corpo sem nada mais que o meu amor e os olhos incrédulos por ti.