17 de novembro de 2012

Newton

Na arte do frasear, de agrupar umas tantas palavras de forma agradável, há uns tantos guardas fronteiriços que refrescam os ânimos de quem grita poesia a cada palavra que passa. Apaixono-me com facilidade por detalhes sem interesse. Decorações. Para mim é tão importante a quantidade absurda de porta chaves que uma pessoa tem quanto o é a chavinha envergonhada e a porta que tão bem a conhece. Assim sendo, fico pasmado com a delicadeza com que alguém pensa num facto que sempre por cá andou e o fraseia de forma a que todos o entendam sem nunca deixar de o fazer bondoso com a língua e a estética.
Falar de mulheres é fácil para quem as ama. Pensa-se na tal que se ama ou, para efeitos dramáticos, na que se amou um dia e que nunca mais voltou a amar-nos. É como escrever sobre aves, flores, filhos, passos de gato ou olhos de cão. São coisas belas por si só, são monumentos da estética, ex libris da criação sem interessar muito se natural ou divina. 
"Para cada acção há uma reacção igual e oposta" é a frase de abertura da terceira lei do movimento de Newton e só isto, escrito numa qualquer letra decorada que impressione podia bem passar por poesia e pôr o mais atento dos guardas a coçar a cabeça e a chamar o chefe. Podia ter sido escrito de forma bastante mais básica ou simplesmente formulado numa fórmula que todos concordassem como correcta e verificável mas ao senhor Newton caíam maçãs enquanto pensava no mistério da gravidade. Alguém assim abençoado, simultaneamente alerta e grato por essas bênçãos, merece que uma língua lhe dedique poemas e abra excepções para que também a física possa ter um pedaço de poesia e lembre que nem todo o minimalismo é belo pois é bela esta física da atracção e do afastamento seu igual e tão oposto.

11 de novembro de 2012

Perdão

É tudo uma questão de perdão. Há coisas que perdoamos a algumas pessoas que noutras se torna impossível de tolerar. É assim a generosidade. Vi nos últimos dias, ao ser torpe com todas as outras pessoas, como sou generoso contigo. São as falhas comuns que, em ti, fundamentam a metafísica do ser do nosso amor. E isso só te perdoo a ti.
Não me lembro de alguma vez ter criticado a forma criativa como acentuas as frases. Podia ter-te expatriado cá de casa à primeira vez que trocaste a música a uma qualquer palavra. Mesmo uma das mais simples como bonito, chocolate ou livro tinham, ali logo à saída da tua boca um sabor e uma forma amendoada de partir.
Há coisa de dois anos, quem quero eu enganar, há precisamente dois anos, despediste-te prometendo
-Vou procurar a minha felicidade
e eu a olhar para ti sem nada para dizer, não havia forma de alguma vez essa tua busca te trazer de volta. Se a encontrasses, à felicidade, por aí ficavas pelo sítio onde ela estivesse se acaso ela não se cruzasse contigo andarias sempre a procurar. Em todo o lado menos aqui.
Mas perdoo-te. 
Tenho duas garrafas de vinho. Uma de cada, um tinto alentejano e um branco do Douro. No frigorífico tenho duas refeições, uma de cada. Carne e peixe. Nada me falta. Não se pode guardar a felicidade num frigorífico à espera que ela não se estrague e muito menos se consegue evitar que ela fuja se a engarrafarmos. A felicidade cria depósito se não for agitada, estraga-se. Perdoo-te então a ti teres ido à procura de algo que raramente perdoo a alguém pensar que encontrou por cá, comigo.
E se por acaso tu me perdoares e voltares, lembrar-me-ei das palavras da sempre-preferida Mitó, pois é mesmo muito provável que te volte a amar mas, espero que nesse dia, seja tarde demais.