26 de maio de 2013

Seco

Até te conhecer não sabia estar ao balcão de um bar. Quando tinha vinte anos sentei-me pela primeira vez ao balcão de um restaurante e gostei. Via o meu pai comer ao balcão e sempre me apeteceu fazer o mesmo mas um miúdo não tem coragem de se sentar ao balcão e tive de esperar para ser maior para ganhar a coragem de comer entre os solitários ocupados que ocupam os balcões de restaurantes.Ainda assim, ninguém me ensinou a estar ao balcão de um bar.
Uma vez disseram-me
-Há coisas que um homem aprende sozinho
e não foi o meu pai que mo disse. Suponho que essa coisa de estar ao balcão de um bar seja das coisas que um pai não ensina.
Há aquela imagem estilizada do homem sentado ao balcão com o olhar baço a contar mal quantos copos vazios tem à frente. Isso é um mito. Nenhum barman que se preze deixa mais de dois copos em cima do seu balcão, também não conheço nenhum que limpe os copos com o pano enquanto faz conversa de ocasião com o cliente. Um barman conhece o cliente pelo nome e o seu pedido habitual. Um barman sabe também que se o cliente quisesse conversa tinha ligado a um amigo. O meu barman serve-me sempre o mesmo em silêncio se não contar com as saudações de chegada e partida. É um bom barman.
Mas como disse, foi contigo que aprendi a estar ao balcão de um bar. Ensinaste-me a precisar de ir beber fora para sair de casa um bocado, naquele jeito alienado de ir a um sítio onde ninguém nos espera saído de um sítio onde ninguém nos quer.
Da tal imagem cinematografica da bebida ao balcão confirmo o olhar baço, perdido em tantos rótulos e luzes e risos de mulheres tão novas e tão graciosas quanto tu eras antes de eu te envelhecer. É que nem uma lágrima porra, nem uma pequena lágrima que não deixasse o olhar ser tão plano. Este olhar que tantas vezes te viu emocionado nos regressos e que se foi um dia sem avisar. Já não mora connosco o amor que outrora nos trazia os risos.
Não, não aprendi a estar num balcão de um bar por tua causa. Fui eu que me trouxe aqui, aprendi sozinho a estar cá e aprendi sozinho qual a bebida que melhor raspa a tristeza de nós até à manhã espessa.
O meu pai não me ensinou a beber mas ensinou-me as flores que demoram mais tempo a secar e ensinou-me que um homem não pode dizer muitas vezes que ama a sua mulher porque esse sentimento é a única coisa que temos de precioso e não pode ser transaccionado assim ao desbarato.
Não sei onde vou encontrar uma florista aberta às duas da manhã mas vou pagar aqui a conta e mal chegue a casa digo que te amo na esperança de não teres tu aprendido a estar em qualquer lado sem mim.