13 de janeiro de 2013

O Amador Pasmado

Já não me recordo como se começou a conversa que terminou em silêncio (como invariavelmente terminam todas) em que um amigo diz, sábio como sempre
-A fotografia é um daqueles prazeres que se deve manter amador. O profissionalismo chega e estraga tudo
e todos fizemos o tal silêncio no qual a conversa terminou e teria de terminar porque é assim que terminam todas as conversas.
Ontem lembrei-me de umas escadas nada silenciosas que terminavam numa parede que decretava "Proibida a entrada a quem não estiver constantemente pasmado de existir" ou algo do género que já não recordo citando um autor que não registei. Meio a medo entrei, pensando o tempo todo que sim, pasmo-me muitas vezes de tudo o que me rodeia, o que não é exactamente o mesmo de me pasmar pela minha existência. Tenho família, amigos e uma cidade que me justificam, acho que a nossa existência se pode resumir a isto e fico mais sossegado após ter entrado. Não me puseram na rua, ninguém me disse
-Ei, tu, sim... tu. Não me pareces pasmado. Nem sequer um pouco surpreendido. Rua
e eu saíria, mais pasmado pelo facto de ter sido expulso do que por existir. Não existiria mais por não ter lugar naquela festa.
Agora ao pensar na minha fotografia amadora recolho todas as coisas de que gosto e das quais não sou profissional. Poesia, teatro, condução, amor. Não publiquei livros, não subi ao palco, não sou piloto mas lá vou lendo poesia de outros, vejo outros a representar, vejo outros a conduzir. Aos poucos lá vou amando, pasmado (agora sim, senhores, ó para mim de boca aberta!) com a quantidade miserável de vezes que nos últimos anos amei. Aí sim, sou um amador daqueles que nem sequer em tempos livres representa que ama para enganar a barriga. Tenho visto outros a amar.
Não sou ingrato e pasmo-me com frequência com as boas notícias. Nem sei se por existirem ou por os jornalistas ainda as procurarem. Pasmo-me com a força que as minhas pálpebras conseguem fazer para que as lágrimas não caiam quando te vejo nas fotografias amadoras que tirei, dói a cabeça e ardem os olhos mas acontece tudo cá dentro e tu nem te apercebes. Às fotografias profissionais resisto melhor e também me pasmo por isso.
Acho que lhe vou dar razão, ao meu amigo, na fotografia como noutras artes, o amor é mais forte se for amador, porque é básico e sem auxílios tecnológicos que diminuem a falta de talento inato. Nesta pequena vida que ainda me surpreende, fico aqui solenemente pasmado pelas tuas existências, pelo teu ser e estar, como um amante amador, sem truques que disfarcem a minha falta de talento na esperança que um dia juntemos olhos, mãos e talentos. Por ti, através de ti, fazia-me profissional.