19 de janeiro de 2014

Dor

É uma dor sem medição e sem causa ou culpados. É um vazio inquieto como um vácuo estelar que suga toda a alegria para uma dimensão estrangeira. De súbito tu levas contigo a tua pele, o seu cheiro, a sua textura. Levas a voz e o som dos teus passos na minha carpete. Assim, de um momento para o outro, só ouço cá em casa os passos sedosos da gata e o cecear da chaleira com o dobro do chá que agora vou necessitar.
E a cama vazia.
E as escadas sem ti.
O calendário sem os aniversários da tua família e das tuas amigas.
O frigorífico sem os teus iogurtes.
As manhãs sem o teu sorriso e dois conjuntos de chaves no móvel da entrada. A gata tão confusa, tão à espera de ti quanto as minhas mãos e os meus lábios. Tenho uma fome de ti que nenhum miar consegue traduzir.
Neste primeiro dia de solidão, este dia que está parado nas vinte e uma horas e vinte seis minutos faz já demasiado tempo, tento raspar das paredes a tua voz e as tuas dedadas para as colar na minha pele uma vez mais. Uma última vez.
É uma dor que nem cá está, é a tua partida a doer noutro lado que nem aqui dentro nem ali fora. É uma dor imparável que bate contra uma dor inamovível. É eu não saber o que dizer à gata para que ela volte a comer. É eu não saber o que fazer de mim próprio para que a minha respiração retome a normalidade sem o teu oxigénio puro de mulher única.
Amanhã, que creio terá de chegar, vai ser uma dor diferente. Não estarás cá e a dor será diferente.
É só que agora, agora, não sei o que fiz da alegria, como ela me visitará sem ti para abrires a porta e ma apresentares. Pensava que tinha decorado em criança como é que um humano se ri mas com a tua partida esqueci-me de como se faz.
É, podias vir cá, só mais uma vez, relembrar-me como se sorri.