13 de dezembro de 2009

Jackpot

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Quis Deus, ou sabe-se lá o quê, que o meu maior sonho fosses tu e que tivesse de te conhecer quando já tens obra feita com outra pessoa. Que merda.
A sorte dele é que não me sai o totoloto (sou antiquado, que queres...) para relançar a minha vida. Arranjava dois tipos para o matar de forma aparentemente acidental. Dois gajos caros, nada daqueles ucranianos certinhos que iriam à polícia e me lixavam o esquema, um assalto simulado ou uma ligação do alternador ao depósito de gasolina do carro. Uma coisa simples e eficaz.
Depois aparecia eu, feito psiquiatra amigo conhecido por coincidência, e do meu apoio e amizade surgiria o amor. Um dia até me dirias que grande era o teu arrependimento por não teres esperado por mim. Que o teu marido era bom homem mas não era nem tão divertido nem tão amável como eu. Não te dava o lado direito dos passeios nem te puxava a cadeira nos restaurantes. Tu, no auge da tua frescura e ele que mal te tocava concentrado no trabalho que punha comer na mesa mas que tingia os lençóis de tédio. Depois davas-te a mim, para curar feridas e descobrir o que um velho grisalho (todo eu cinza e preto) tinha para te dar no início da curva descendente da frescura do teu corpo.
Eu a amar-te sempre, mesmo quando estivesses tão feia como a minha vizinha da frente que ainda suspira pelo marido morto em Angola. Eu imortal contigo a suspirar pela minha boa saúde e delicadeza de cavalheiro a causar inveja às amigas que enquanto me ausento da mesa te dizem
-Já não se fazem homens assim, que sorte tu tens
e tu a sorrir orgulhosa e feliz pelo destino te ter posto no meu caminho. Contente por o teu emprego te obrigar a apanhar o meu autocarro todas as manhãs, quando tomaste banho há meia hora e às vezes ainda o cabelo pinga a escorrer pelos ombros a tornar a camisa branca translúcida.
A sorte do teu marido é que não me sai nada. A sorte do teu marido é que tu não prestas atenção a motoristas de autocarro mais velhos, vestidos com a farda regulamentar.
A verdadeira sorte do teu marido é que na cabeça de um tipo com o nono ano, com um coração manchado, só faz sentido roubar a mulher ao seu marido através da morte e do dinheiro. Como nos filmes, esses sonhos em película, que só roçam superficialmente no limiar da imaginação castrando-nos de possibilidades de ser alguém.

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