6 de dezembro de 2009

Verão

-Eu não preciso disto sabe, tenho filhos que me fazem companhia e ligam quase todos os dias.
Diz-me o excêntrico da estação, não o chamo louco porque chamar louco dá tanto azar como a inveja e ainda acabo como ele. Falta muito pouco para as 6 da madrugada e já o Sr. Jorge observa, sorridente e elegante com o seu blazer aos quadrados e cigarro na boca
-Desde que os espanhóis lançaram estes cigarros mais baratos que posso fumar um maço e meio por dia.
o comboio que sai em direcção à ponte ainda se vê ao longe e Jorge, porque o Sr. o faz mais velho, justifica-se
-Venho cá todos os dias, todo o dia, durante a Primavera e o Verão ver as pessoas a ir e vir. Sabe que nós somos como as aves. Emigramos para sítios mais quentes. No Inverno deixo de vir porque só as pessoas tristes não emigram e ficam aqui a lamber a amargura das bochechas e a comer cigarros. Eu tenho desculpa, sou velho, não tenho ossos para ir agora para o Brasil ou África. Imagina-me a assobiar às catraias com esta idade?
por acaso imagino mas não lho digo, o Jorge tem aquele aspecto de tipo que não morre, um daqueles velhotes que com 90 anos se levanta cedo e toma um banho de água fria só porque acha que isso lhe faz bem, com a ocasional bebedeira e a derreter cigarros como as massagistas derretem tensões.
-Sabe. A minha mulher emigrou, a minha garça, tão bela que ela era. Um dia quando o inverno estava a começar ela foi atrás de uns pássaros que imigravam para sul. Imagina o que era na altura eu namorar com uma mulher da televisão? Ninguém via os programas de animais mas ainda assim eu me gabava de ter casado com uma mulher da televisão. Mas pronto. Ela foi e não voltou, na altura as notícias chegavam tarde e demorei quase meio ano a saber que ela tinha conhecido um ricaço qualquer, dono de um zoo, amor, casamento e um ninho espaçoso e quente todo o ano. Eu fiquei aqui a tomar conta do nosso ninho, ao qual ela não voltou, e às nossas crias que cresceram belas como a mãe e fumadoras como o pai. Ligam-me quase todos os dias, sabia? Desde o casamento que venho cá, ver as pessoas sorrir e chorar. Os comboios que chegam e vão. Não há sitio mais feliz que uma estação de comboios mesmo quando de ambos os lados dos vidros duas pessoas choram. O choro são saudades e só temos saudades das pessoas que regressam um dia. Portanto não chore, vá, deixe-a ir. Fume um comigo e veja lá esta foto do meu mais velho, maquinista do metro.

1 comentário:

  1. Há garças de voltam e procuram um ninho quente no inverno...

    Se o choro é saudades, este meu coração chora a todo o momento.

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