24 de janeiro de 2010

O lanche é a refeição mais importante do dia

Podias ter fechado a porta tal como podias ter desligado o telefone de todas as vezes que te liguei e depois de não ter mais nada para dizer ficavas ali a respirar no ar seco sem teres coragem de desligar.
Podias ter saído com um ponto e um parágrafo. Assim um final em grande. Uma frase marcada e citável por gerações e gerações que quisessem uma despedida com o impacto de um estalo na orelha. Podia-te ter ocorrido esquecer os nossos lanches em que eu te corrigia e dava perspectiva sobre a tua forma de fazer as coisas enquanto tu a mim perguntavas se estava tudo bem e quando eu dizia
-Sim está
nem tentavas confirmar se era verdade ou não.
Agora que me dizes,
-Sem os teus conselhos e a tua forma de ver a vida nada de bom me teria acontecido neste último ano, não teria coragem de insistir na minha relação e muito menos na gravidez que me uniu ao Marco
principalmente quando dizes
-Ele realmente merecia uma segunda oportunidade porque no fundo é boa pessoa
encosto a cabeça à almofada e penso que gostava muito mais de falar contigo quando te calavas e me ficavas a ouvir a respirar ar seco sem ter coragem de desligar. A ingenuidade de não notar o cansaço que transpira sempre que se diz que uma pessoa é boa no fundo faz notar que o tempo que perdi contigo foi, no fundo, tempo perdido.
O que eu não sei sobre ti chegava para escrever um álbum duplo de canções, admito isso, mas nem sonhas que o que não sabes sobre mim chegaria para preencher uma folha a escrever em cada linha de uma pauta musical como se fosses uma criança a corrigir a má caligrafia. Se tu tivesses vontade de ouvir mais do que a minha falsa felicidade ainda estávamos na sala de música a ditar letras para escrever nas pautas e, no meio de tanto material valioso usado indevidamente, tu perceberias que aquela música falava de ti e que talvez ter um baladeiro em casa fosse bom para a educação dos pequenos que me dizias nunca querer ter.
Não sabes por exemplo que eu só ficava suspenso ao telemóvel sem falar porque sabia o que queria dizer mas guardava-o aqui na ponta da língua à mão de semear.
-A minha prima meteu na cabeça que quer ser veterinária como tu.
-Passei de carro na tua antiga rua e estão lá obras.
-A minha irmã tem uma colega de trabalho com o teu nome.
-Ainda não lavei o casaco que te emprestei em Braga.
Estas coisas ficavam no bolso da camisa à espera de um momento aflito em que eu não tinha nada de interessante para dizer e seriam a desculpa para te ligar e ouvir a tua voz a meio da tarde. Se estivesses perto lanchávamos e tudo se repetia.
Podias ter ficado pelo menos uma vez para jantar e podias ter percebido que uma casa sem música é como uma veterinária sem coração. É como uma mãe sem amor pelo pai.
-Sim, claro que sim. Canto no teu casamento... Levo uns amigos e fazemos uma coisa porreira.
Ainda bem que me ocupaste. Não podia faltar ao casamento mas também não se constava que fosse ter muito apetite.

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