6 de junho de 2010

Vou comprar umas calças vermelhas

É injusto que apareças assim no meu autocarro, tu com mais sete anos do que tinhas quando reprovaste no décimo primeiro e eu que esperei por ti até ao fim da faculdade que tive de ir tirar às ilhas. Tão burros nós éramos meu deus, as notas e os professores concordavam e eu passei a acreditar que não seria nada nem ninguém como o meu pai me dizia quando eu era pequeno. Esperei por ti num lugar ao qual não se chega de autocarro e só agora fica a menos de vinte contos, desculpa, cem euros a viagem de avião. Não contava que num momento de turbulência, no voo, claro, tu estivesses lá ao meu lado a fazer conversa de circunstância e de repente
-Vánia? És tu?
e seres mesmo. Não contava com isso. Mas entrares no meu autocarro, sentares à minha frente e brincares com o relógio é que não; agitares o cabelo e o perfume mesmo ali, à distância da grossura de um livro de poesia do meu nariz, era como se fosses de repente uma assistente de bordo ou a única capitã a pilotar aviões da TAP. É injusto que entretanto tenhas aprendido a combinar os sapatos vermelhos com o relógio vermelho que por sua vez brilhava com as leves flores vermelhas que a tua camisa branca aberta até àquele ponto que só as mulheres crescidas sabem qual é. É injusto que as calças de ganga fossem tão bem com o azul dos teus olhos que, raios me partissem se não olhassem para os meus (nem que tivesse de me deitar à tua frente mas havias de olhar!) não me conheceram.
Não foi fuga tua. Tu não me viste absolutamente nada.
É injusto andares agora a aparecer por cá, uma vez hoje e quantas mais no futuro nem sei, eu que me mantive ao teu nível e à espera, eu que derreti a minha média em explicações de um ano que não era o meu e tardes a estudar o que a tua mãe depois nos apanhou e proibiu de estudar e à espera. Eu que ainda hoje não aprendi como se combina uma camisola com um casaco como deve ser, calças de ganga só das muito azuis e muito gastas e o relógio, esse fiel velho, ainda é o mesmo que o meu pai me deu na última vez que achou que eu valia alguma coisa. Mantive-me burro e deselegante para ti e entretanto alguém te ensinou a ser uma mulher. Daquelas que abrem a camisa até aquele ponto que só elas sabem onde fica.

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