1 de janeiro de 2015

Extraordinariamente anual

Hei-de ser encontrado morto com a minha melhor camisa, engomada e atada com uma gravata impecável. Hei-de ter o teu nome nos braços e nos lábios. Hei-de ter a forma do teu corpo no peito e os teus olhos nos meus quando souberes que me mataste. Hei-de ser encontrado a vaguear pela cidade, pelo campo no mar. Balbuciarei que sei quem me matou, gritarei
-FOI ELA
a quem me olhar com a censura de quem julga ver um bêbado. Quando cair, estarrecido pela tua partida, não farei som algum. Serei um soldado desconhecido, um entre cem mil, sem nome ou pátria ou familiares directos.
Não ambiciono ficar na história, muito menos na tua. Daqui a uns tempos, quando me encontrarem prostrado ninguém saberá. E quando renascer, algures no mundo alguém saberá ou quererá saber de mim.
Até esse dia morro todos os dias um pouco, mesmo neste dia em que o ano começa tal como o anterior acabou: Eu a morrer na minha melhor roupa, de boca aberta sem emitir um único som.

1 comentário:

  1. É por isso que as folhas são breves, mas as notas que escreves perduram..

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