20 de setembro de 2009

Lá em casa nada igual

No dia em que nos conhecemos não estava assim quente. Chovia e havia acidentes na rua. Como hoje está calor e o trânsito flui eu nem me lembro que faz hoje três anos que nos conhecemos. Também se torna cada vez mais difícil lembrar como os teus olhos eram amarelos (e tu achavas uma parvoíce não encontrar uma cor melhor para os descrever) ao sol. Um amarelo escuro com rasgos acastanhados e uma mancha verde. Em tempo mais sombrio os teus olhos eram verdes com a mancha azulada. Sim... Cada vez é mais difícil lembrar com exactidão. Lembro que odiava quando dizias asneiras mas também odiava tabaco e adorava a forma como tu fumavas portanto vai-se a ver e até adorava a tua forma de dizer asneiras.
Quase que entra o Outono mas a tal chuva que caía no dia em que nos conhecemos hoje fica lá em cima. Não lá em cima porque lá em cima não há moradias de gotas. Céu limpo e as gotas estão aglomeradas todas, penso eu que bastante apertadas, num campo de refugiados de gotas a norte sul este oeste daqui. Aqui chuva nenhuma. Nem do céu nem minha que agora com as rugas que me rasgam a cara não convém facilitar e deixar que mais água as eroda como uma falésia que dura com a dureza que se dissolve na paciente suavidade da água.
No dia em que nos conhecemos, lembro agora, chegaste a horas e eu a dizer
- Foste pontual
Tu a responder ainda envergonhada
- Eu chego sempre a horas
Agora sei que é mentira. Há mais de ano e meio que marco encontros e tu não apareces. Mando-te mensagens, ligo-te e nem uma resposta que confirme ou desminta que vens. Agora eu aqui agarrado a memórias que já nem sei se lembro bem e a uma ruga no olho esquerdo que juro por mim e por ti que não estava lá antes de teres desaparecido. Naquela manhã em que a cama vazia se transformou numa casa em que ao chegar nem um cheirinho de esparguete, nem um som de televisor, nem nos dias bons um corpo nu à minha espera. Nada. Uns lençois vazios que foram perdendo o teu cheiro tal como a casa foi perdendo o teu cheiro, o teu som, a cor dos teus olhos e a sombra do teu corpo envernizado nos espelhos do corredor. Na cozinha a cafeteira onde ainda faço café à tua maneira mas nunca sai à tua maneira.
Hoje não chove como chovia e os carros não batem. Os condutores não discutem. Que desculpa tens para demorar tanto a vir num dia de sol assim e no qual até podias dizer
- Foda-se vou fumar um cigarro
que eu ficava aqui fulminado de devoção a observar enquanto me aliviavas a ruga do olho esquerdo?

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