18 de março de 2012

Amarelecer

Se forem vasculhar nas traseiras dos meus livros está lá um disco embrulhado em papel amarelo. O disco ainda tocará, julgo eu, como se o tivesse comprado ontem à tarde mas o papel, naquele orgulho mate que só o papel de embrulho tem, está de um amarelo tóxico que o tempo lhe trouxe naquela secura de ter perdido a sua razão de ser que é a de repousar no chão, rasgado após mostrar o que ocultava.
É só papel, sim, tal como lá dentro é só um disco, álbum, CD do meu artista preferido que escolheu, para gravar uns videoclips, um sitio onde uma vez estivemos juntos, aninhados para não bater com a cabeça no telhado.
Ando por aí a dizer que o tempo não traz velhice nem infelicidade. Apenas traz o amarelo. Viajam pelo ar uns amarelos anónimos que o tempo transporta e que nos cansam. Ficamos quebradiços e pálidos como o papel do embrulho que não lhe dei e perdemos o sentido de ser. O papel não a chegou a fazer sorrir, nem este disco que tenho ali escondido e que nunca lhe entreguei.
Às vezes perco-me na tristeza e no niilismo e fico parado a pensar e a sentir (que é o que se faz às coisas tristes, empurram-se para o fundo de nós, para a difícil digestão dos amores que partem e vão ser amores para outros lados). Não sei se o disco que por ali anda a amarelecer lhe fez falta. Agora que ela anda tão luminosa pelas ruas da cidade onde ainda habito e para onde ela me puxou será que lhe fez alguma falta a cor da minha música?
Fico por aqui a sentir e a pensar (que é o que se faz ao que se ama) e em mim cai uma camada de amarelo como se o pó de centenas de anos fosse minha comida e bebida. Ouço o disco que não lhe dei e é como se nem estivesse cá, tal é o vazio e a vaga de emoção que me deixa para nunca mais regressar.

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