28 de outubro de 2012

Repetidamente

Havia uma palavra qualquer ali no que as pessoas chamam ponta da língua mas eu nem sequer estava a falar. Estava a escrever numa daquelas máquinas de mensagens telegráficas com ecrã táctil portanto, no limite da teoria, tinha ali uma palavra na ponta dos dedos, a querer sair mas que não chegava ao ecrã. O cursor inquisitivo, impaciente, a piscar como um olhar que de tão aberto, seca e obriga a pestanejar. 
Repetidamente.
Tenho de dormir mais. Ainda me lembro quando as palavras ditas, escritas ou pensadas surgiam do nada. Era um tempo em que os sentimentos vinham à tona com mais frequência. Sorria e chorava mais. Às tantas envelhecer não é ficar mais triste ou alegre. Às tantas a idade desgasta por abrasão e vamos ficando despidos de mais uma camada de nós. E nem anéis nos crescem como às árvores para podermos dizer, à nossa morte, quantos anos tínhamos na realidade. 
Parece-me, isso sim, que em tudo há a tal relatividade. A palavra não me veio aos dedos porque eu sabia para onde ela ia, que olhos a iam ler e que dedos iriam depois falar de volta. Parece-me também que nestes últimos anos fico menos triste e menos alegre porque esse tempo passou. O tempo da incerteza e do desequilíbrio ficou naquele tempo em que saía de casa sem saber o que encontrar, sem saber que no meu país havias tu e os teus dedos, esse conhecimento genial e que só eu sei como se uma teoria geral de alguma coisa fosse. Como se entre nós se fizesse uma lei que nem milénios de experimentação conseguem negar. 
Depois de todas as palavras, que o cursor se lixe, que pisque, que seque como me secaram lágrimas e sorrisos. Envelhecemos mas no nosso país ainda estou eu, tu e os nossos dedos. Talvez te ligue e as palavras saiam melhor. Talvez te diga que gosto de ti.
Repetidamente.

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