Chego a Allaire e mando-te uma sms:
“Allaire”
Nem espero pela resposta porque sei que ela não vai chegar mas seja como for gosto que saibas por onde ando. Já te mandei sms em Vitré, Bubry e Morbihan.
Há uns meses fui à Austria e tive de te ligar. Achei que ias gostar de saber que tinha passado por uma terra chamada Pyhra. Pareceu-me ser nome que gostarias. Não atendeste… Atendeu o teu marido que me disse, após uma dúzia de mentiras bem colocadas sobre a minha identidade, que tu estavas na maternidade. Dois dias antes tinha nascido o vosso filho.
João.
Assim um nome vulgar e humano. Tinham de me explicar isto…
-João quê?
-João Filipe.
-João Filipe quê?
-João Filipe Sousa Matos. Porque pergunta?
-Nem um nome de local?
-Desculpe?
-Local… Não lhe chamaram João Porto ou João Aveiro ou João São Petersburgo?
-Não. Que coisa estranha. Porque pergunta isso?
Desligo e fico a ferver em como vendemos os sonhos com tanta facilidade desde que tenhamos um novo par de braços que os concretiza.
Debaixo da cama, na gaveta do meio do aparador e nos bolsos de casacos que deixaste no guarda-vestidos os sinais do teu doce fanatismo e das viagens que fizemos na busca do tal nome. E relembro todas as vezes que fizemos amor nos comboios de Espanha, França, Itália, Eslováquia, Eslovénia ou Inglaterra e registávamos nas costas dos bilhetes o nome da estação seguinte.
Lembras-te quando enganamos as regras porque a nossa menina não se podia chamar Nancy?
E quando achavas que estavas com enjoos matinais porque, pelas tuas contas, tinhas engravidado naquele voo Porto – Funchal? Decerto te lembras de me perguntar
-Sobrevoamos as Berlengas ou é só água?
-Não te preocupes. Chamamos-lhe Atlântica e está decidido.
E nunca foi… Nunca estavas grávida. Nem de uma Lublina ou de uma La Rochelle. Uma Geltru ou uma Cádiz.
Abrandamos na euforia, o tempo passava e nem de Braga, Leça, Coimbra, Leiria ou Lisboa engravidaste. Foi no Porto que descobrimos (no Porto nunca fazíamos amor porque havias de ter uma menina e ela não podia ter um nome masculino) que nem em Fátima ou Lourdes poderias engravidar.
Eu não te poderia dar essa alegria por mais que escalássemos a Serra da Estrela ou a Senhora da Graça.
Demoraste só uma semana a mudar de mim. Não me surpreendeu a forma como de repente me tornei descartável. Na torradeira, porque tu sabias que o que mais falta me haveria de fazer eram as tuas torradas, um bilhete escrito à mão sem sinais de mancha de lágrimas, batom ou uma pequena borrifadela de perfume
“Sabes qual é o meu maior sonho. Desculpa, tenho de o seguir.”
Compreendi. Talvez encontrasses um motorista ou piloto de aviões que te levasse àqueles sítios onde tu dizias querer adoptar o nome para que a tua filha (sim... dizias sempre tua; nunca nossa) tivesse sempre um pedaço de terra que fosse dela. Sempre que se perdesse pensava no sitio que lhe deu nome e lá chegaria como um pássaro migratório que tem ninho sempre na mesma chaminé.
Um dia ligaste a perguntar onde eu estava e disseste-me
-O meu sonho de ser mãe sobrepôs-se à teimosia de dar um nome geográfico. Era uma parvoíce. Nós corrermos tantos sítios foi uma parvoíce. Sou tão feliz aqui que percebi a tolice que andei a fazer.
-Aqui é onde?
-Ovar.
-Caramba, não admira que lhe tenhas chamado João Filipe.
-Sentiste falta das minhas torradas?
-Claro que senti. Deixaste os casacos e as luvas. As torradas eram a terceira coisa que eu mais gostava em ti.
No sitio onde estou há um vale. Os vales formam-se onde outrora houve um rio que entretanto se foi. Quer-me parecer que o espaço entre costelas aumentou quando tu te evaporaste. Quando o nosso amor deixou de fluir.
Deixaste cá um vale com o teu nome.
“Allaire”
Nem espero pela resposta porque sei que ela não vai chegar mas seja como for gosto que saibas por onde ando. Já te mandei sms em Vitré, Bubry e Morbihan.
Há uns meses fui à Austria e tive de te ligar. Achei que ias gostar de saber que tinha passado por uma terra chamada Pyhra. Pareceu-me ser nome que gostarias. Não atendeste… Atendeu o teu marido que me disse, após uma dúzia de mentiras bem colocadas sobre a minha identidade, que tu estavas na maternidade. Dois dias antes tinha nascido o vosso filho.
João.
Assim um nome vulgar e humano. Tinham de me explicar isto…
-João quê?
-João Filipe.
-João Filipe quê?
-João Filipe Sousa Matos. Porque pergunta?
-Nem um nome de local?
-Desculpe?
-Local… Não lhe chamaram João Porto ou João Aveiro ou João São Petersburgo?
-Não. Que coisa estranha. Porque pergunta isso?
Desligo e fico a ferver em como vendemos os sonhos com tanta facilidade desde que tenhamos um novo par de braços que os concretiza.
Debaixo da cama, na gaveta do meio do aparador e nos bolsos de casacos que deixaste no guarda-vestidos os sinais do teu doce fanatismo e das viagens que fizemos na busca do tal nome. E relembro todas as vezes que fizemos amor nos comboios de Espanha, França, Itália, Eslováquia, Eslovénia ou Inglaterra e registávamos nas costas dos bilhetes o nome da estação seguinte.
Lembras-te quando enganamos as regras porque a nossa menina não se podia chamar Nancy?
E quando achavas que estavas com enjoos matinais porque, pelas tuas contas, tinhas engravidado naquele voo Porto – Funchal? Decerto te lembras de me perguntar
-Sobrevoamos as Berlengas ou é só água?
-Não te preocupes. Chamamos-lhe Atlântica e está decidido.
E nunca foi… Nunca estavas grávida. Nem de uma Lublina ou de uma La Rochelle. Uma Geltru ou uma Cádiz.
Abrandamos na euforia, o tempo passava e nem de Braga, Leça, Coimbra, Leiria ou Lisboa engravidaste. Foi no Porto que descobrimos (no Porto nunca fazíamos amor porque havias de ter uma menina e ela não podia ter um nome masculino) que nem em Fátima ou Lourdes poderias engravidar.
Eu não te poderia dar essa alegria por mais que escalássemos a Serra da Estrela ou a Senhora da Graça.
Demoraste só uma semana a mudar de mim. Não me surpreendeu a forma como de repente me tornei descartável. Na torradeira, porque tu sabias que o que mais falta me haveria de fazer eram as tuas torradas, um bilhete escrito à mão sem sinais de mancha de lágrimas, batom ou uma pequena borrifadela de perfume
“Sabes qual é o meu maior sonho. Desculpa, tenho de o seguir.”
Compreendi. Talvez encontrasses um motorista ou piloto de aviões que te levasse àqueles sítios onde tu dizias querer adoptar o nome para que a tua filha (sim... dizias sempre tua; nunca nossa) tivesse sempre um pedaço de terra que fosse dela. Sempre que se perdesse pensava no sitio que lhe deu nome e lá chegaria como um pássaro migratório que tem ninho sempre na mesma chaminé.
Um dia ligaste a perguntar onde eu estava e disseste-me
-O meu sonho de ser mãe sobrepôs-se à teimosia de dar um nome geográfico. Era uma parvoíce. Nós corrermos tantos sítios foi uma parvoíce. Sou tão feliz aqui que percebi a tolice que andei a fazer.
-Aqui é onde?
-Ovar.
-Caramba, não admira que lhe tenhas chamado João Filipe.
-Sentiste falta das minhas torradas?
-Claro que senti. Deixaste os casacos e as luvas. As torradas eram a terceira coisa que eu mais gostava em ti.
No sitio onde estou há um vale. Os vales formam-se onde outrora houve um rio que entretanto se foi. Quer-me parecer que o espaço entre costelas aumentou quando tu te evaporaste. Quando o nosso amor deixou de fluir.
Deixaste cá um vale com o teu nome.
Lindo...e não tenho mais palavras, só um nó na garganta!
ResponderEliminar'Demoraste só uma semana a mudar de mim.'
ResponderEliminar...ler isto num momento em que só me apetece sentr no chão e fingir que o chão não existe e deixar-me cair...é perceber que há palavras que quando juntas formam pensamentos que dizem aquilo que não queremos dizer a nós mesmos.