31 de maio de 2009

Obturado

Diz-se da relação entre animais e donos que passado algum tempo se copiam.
O olhar confunde-se e alguns trejeitos de ambos são contagiosos. Eu já vi senhoras a inclinarem um pouco a cabeça para o lado quando pedem alguma coisa ou quando não perceberam algo. O olhar dos pedintes, o cair dos ombros em submissão, é decalcado de um cão que tiveram em pequenos e que era louco por restos de fiambre.
Assim é com as pessoas e pessoas. Pessoas com relacionamentos com pessoas. Amigos, Pais, Amantes tanto faz. Copiamos os jeitos e os ditos das outras pessoas sem saber que o fazemos. Habitualmente copiamos as pessoas a quem reconhecemos maior autoridade ou de quem gostamos mais.
Outras vezes é um assombro. Como matar uma pessoa e ver o olhar dela a picar-nos todas as noites antes de adormecer. Foi um assombro ver-te nas minhas fotos, no olhar ensaiado que eu fiz para outra fotógrafa que não tu. Pose de simpatia, pose de turista flash click.
E quando discuto as pessoas dizem-me
-Não ponhas esse olhar que não é com isso que te perdoamos
como quando eu te dizia
-Não me olhes assim porque não te perdoo
Nas fotografias da praia, da viagem à neve, de casa, a brincar com o cão o teu olhar de carinho e o teu riso de menina largo de luar flash click.
Não cheguei a ver-te chateada comigo por isso nem sei como agir. Faço uma cara neutra enquanto perco a razão e chamo nomes a quem me enerva. Esqueci como se franzem sobrancelhas e nem a perdigotos ao litro ganho respeito.
Podia também viver sem o teu sorriso a olhar para o céu quando o dia está solarengo ou sem a forma como pegavas no guarda-chuva em dias cinzentos.
Cheguei-te a dizer que tens o sorriso mais bonito que já vi?
Usaria eu o adjectivo bonito se tu não dissesses tantas vezes que isto ou aquilo era bonito?
Era capaz de me entender melhor se não usasse o teu sotaque ou se pudesse apontar com o dedo no mesmo ângulo que apontava antes de tu chegares, vires e partires.
Agora uma foto à frente de uma paisagem algumas vezes nossa e eu sozinho, ar contente, sorriso misterioso e olhar entrecortado por pestanas.
A tua leveza envergonhada de mãos juntas à cintura como que a rezar para o chão.
Flash, click.

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