7 de junho de 2009

Somos o que fomos

É nessas noites importantes que a conversa surge pintalgada de frio, café e cigarros.
A senhora velha, não tão velha assim mas de aspecto velho com a maquilhagem vermelha mal pincelada e a pele demasiado alaranjada para ser colorido solar fala sempre no que foi e onde esteve.
Nessas noites em que não consegue parar o cigarro e prestar atenção aos distintos clientes só o fato impecável e as palavras ausentes de mácula mostram que é, também ela, uma senhora distinta. Deve ter sido em tempos uma mulher atrevida e dona do seu nariz. Com um impertinência e mimo demais que os senhores mais velhos com quem se dava sentiam prazer em alimentar. Esteve em França e na América, trabalhou num sitio onde tinha de tratar os patrões por Messieur e Madame e estudou arte em Itália.
Agora?
Agora é só mais uma senhora velha confiante que o fato e o bâton vermelho exagerado evitem que seja tratada por dona. Uma daquelas senhoras dependentes da bondade de estranhos que emprestem a atenção durante o tempo suficiente a resumir a sua história.
Fala da juventude e do primeiro casamento como se a vida tivesse ficado lá atrás com a impertinência e a leveza de um corpo de textura leitosa. Como se a vida tivesse acabado no divórcio e na primeira ruga.
Eu fico do meu lado a pensar em toda a tristeza silenciosa camuflada de memórias felizes que nos rodeiam e, como a tal pessoa que em terra de cegos tinha olhos, tenho vergonha de ser feliz.

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