21 de junho de 2009

Blues

Há 3 semanas foi publicado no site Post Secret o segredo de uma pessoa que dizia que sabotava todas as suas relações para ser um melhor músico. Esse site é muito propenso a que nos sintamos identificados com algumas das coisas, algumas delas assombrosas, que por lá se confessam mas nunca nenhuma me tocou tanto como esta. Não no sentido da sabotagem que, pelo menos de forma propositada, não exerço mas sim na medida em que me sinto mais altivo e criativamente fértil quando me sinto miserável.
Uma quantidade enorme de grandes artistas sofreu de doenças crónicas e/ou degenerativas. Pensem na Frida Kahlo e na sua coluna despedaçada ou no Van Gogh e a sua eterna desilusão. Mais ainda pensem em todos aqueles pintores que para atingir a finura ideal do traço afiavam os seus pincéis nos lábios num beijo envenenado de chumbo. Eles iam definhando com queda de cabelo, psicoses, falhas renais e cardíacas, impotência e, em casos extremos, morte. De cada vez que pintavam uma pestana de musa ou um bigode de banqueiro entregavam mais um pouco de si à arte, literalmente.
Nós, como observadores, somos cúmplices involuntários de um suicídio e como nos divertimos à custa desse sofrimento só me ocorre a palavra sadismo para descrever a forma suja mas inocente como beneficiamos do sofrimento dos artistas.
Uma professora de História da Arte disse-nos uma vez que a representação pictórica da melancolia tinha praticamente desaparecido. Na minha opinião isso aconteceu porque o artista queria pintar melancolia e só lhe perguntavam
-Porque é que o senhor da pintura está triste?
e ter de explicar que ele não estava triste mas sim melancólico seria como um comediante explicar a punchline da sua piada.
Será desta falta de pintura que surgiu Antero de Quental?
Eu entendo bem o/a artista que enviou o segredo porque também eu, de forma incrivelmente cíclica, sou um dependente da melancolia. Uma vez disse a uma namorada que depois se tornou numa pouco saudosa ex que por vezes sentia saudades de me sentir melancólico e solitário. Ela, coitada, que nunca entendeu a diferença entre melancolia e tristeza, achou estranho e disse que isso era estúpido. Anos depois descobri a Ana Moura que dizia numa música demasiado recuada do seu CD "Já não temos fome mãe / nem temos também / saudades de a não ter".
Parece-me ser este o caso da melancolia. Do sofrimento nos olhos e ombros nasce nobreza.
E a escrita melhora exponencialmente.

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