11 de outubro de 2009

O Mecânico Constante

Os tradutores enganam-se muitas vezes. Coitados. Tenho genuína estima e pena por eles que andam consumidos de lado para lado a ganhar úlceras nervosas e hérnias de esforço à procura de tradução para uma frase que em inglês soa tão bem mas em português não sabe a nada.
Assim aconteceu com o filme The Constant Gardener traduzido para português como O Fiel Jardineiro. A confusão foi que o tradutor viu o filme e achou que o leitmotiv (olha cá está uma palavra intraduzível) era a fidelidade de um homem em ir até ao fundo de uma questão pela honra da memória da sua amada. Confusão normal e compreensível mas, na minha humilde opinião, errada.
O elemento central do filme é o fascínio e devoção masculina pela manutenção. A forma como este "jardineiro" paciente se rodeia das suas plantas e trata delas tem tanto de devotamente religioso como uma peregrinação.
Qualquer homem poderá testemunhar da alegria que é tomar conta das suas coisas. Há quase tanto prazer no mudar o óleo do motor ou as pastilhas de travão de um carro como conduzi-lo. Só dessa forma sabemos que não andamos a ser enganados por um placebo que alguém disfarçou e nos impingiu.
Somos assim nós homens quando as nossas ninfas privadas surgem depois do banho, ainda dentro de toalhas do tamanho de casulos gigantescos, e nos pedem que espalhemos um creme hidratante ou façamos uma massagem naquele sítio qualquer que doi. Há muito de egoísta nisto porque não só estamos a cuidar do que amamos usufruir como usufruimos durante o cuidado. Nós que tantas vezes temos vontade de parar enquanto as amamos só para ver, assim um intervalo contemplativo para absorver a beleza inatingível de cada suavidade feminina, e não podemos, com medo de sermos ridículos ao ponto de mais tarde entre as amigas haver o desabafo dessa coisa estranha que fizemos numa noite que foi parar a contemplar a estátua viva que ali amávamos.
Ainda no Fiel Jardineiro há o agradecimento da personagem masculina à feminina pela maravilhosa dádiva de esta ter feito amor com ele. Raios, nós somos tão ridículos...

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