4 de outubro de 2009

Faz-me lá a vontade

Não te preocupes com a água salgada das lágrimas amor. Não vai ser a falta delas que te vai fazer desidratar nem o sal enlouquecer. Deixa-as cair e não as limpes; hidratam o rosto e dão-lhe um brilho fugaz como a luz do luar sobre uma janela. Se quiseres bebe-as, tal como te disse não te enlouquecem como aos náufragos que por cada golada de água do mar se sentem ainda mais sedentos. Sabes, percebi já há uns anos que as lágrimas só são amargas se a mágoa que a pessoa deixa for maior do que a doçura que foi espalhando. Podemos estar descansados não achas?
Vá, deixa que as lágrimas corram, não as aguentes que os olhos incham e ardem, ficam vermelhos e toda a gente sabe que tentaste não chorar e não conseguiste. O mundo não acaba hoje acredita. Vamos sempre ter os nossos passeios e cozinhados. Vamos conseguir lembrar sempre a quantidade de açúcar que cada um gostava no café e quanto queijo gostávamos ambos no esparguete. Vamos poder ouvir os nossos tangos, cada um em sua casa, com nova pista de dança improvisada e quiçá um novo par para ambos, à frente do aquecedor amarelecido de incandescência sem uma única lágrima.
Não chores amor que eu vou sempre lembrar como estava o teu cabelo da última vez e reparar que o tens diferente. Lembrarei sempre também os vestidos que o teu guarda-vestidos guarda e dizer-te como é bonito e te cai bem o cinza curto que um dia vais ganhar coragem de comprar e vestir.
Pronto, está bem, chora lá um bocadinho vá. As lágrimas não são más como as pessoas as julgam. Entala a voz numa dúzia delas. Se não por mais nada, pelo menos, para te livrares da dor que te deixo ao partir.
Sei lá... Chora para me mostrar que te custa eu virar costas. Chora por favor. Uma lágrima triste que cai ao chão e seca à frente do aquecedor.
Caramba.
Chora, diz que me queres e que podíamos tentar de novo porque só assim eu sei que há doçura entre nós e que não estavas ansiosa pela minha partida. Eu parto na mesma claro mas ainda assim gostava de saber que tenho lugar na tua vida.
Pronto não chores, tudo bem.
Eu pego na minha tralha, despeço-me do canário que compramos juntos e que não canta para não se despedir de mim. Pego em mim e trago-me para fora de tua casa e tu podes fechar a porta com a naturalidade de quem julga que volto no dia seguinte.
Mas não volto e fico a pensar a partir de que distância a madeira da tua porta consegue isolar o som do meu choro.

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