18 de outubro de 2009

A quem tudo se perdoa

Há pouco tempo, em discussão salutar com uma amiga, dizia-lhe que se Deus existe como bóia de salvação da gente desesperada (e ainda ontem foi dia mundial da depressão) também acreditava em Deus porque assim é uma ideia auxiliadora e não uma entidade salvadora. Ideia essa de que não preciso mas à qual reconheço utilidade.
Se há na terra mostras de divindade será naqueles objectos ou pessoas que nos causam o Stendhal Effect. Este efeito foi relatado pelo escritor francês Stendhal aquando da sua visita a Florença e durante a qual o mesmo sentiu aceleração do batimento cardíaco, tonturas e até alucinações quando estava perante uma peça de arte de excepcional beleza ou uma grande quantidade de obras num só local. Desde o início do século XIX, quando em 1817 a descrição apareceu num livro de Stendhal, até aos finais do século XX (em 1982 foi reportado o primeiro caso oficial) milhares de casos surgiram. Entretanto também Paris foi associada a este fenómeno por causar os mesmos sintomas no Louvre e nos monumentos emblemáticos.
É aqui que vejo o paralelo com aparições religiosas.
Alucinações relacionadas com um sentimento que não compreendemos de onde vem, geralmente provocado por uma peça de arte que não sabemos descrever são o de mais religioso podemos experienciar. É fé que vem de dentro.
E a gente é mastigada pelos deuses e vigarizada por falsos profetas e mesmo assim continua a construir-lhes obeliscos e menires de formas e valências diferentes. Mesmo assim perdoa as falhas justificando com as suas próprias que supostamente justificam o castigo deles. Aos deuses tudo se perdoa.
De volta aos artistas, os meus únicos deuses porque já Nietzsche dizia só conceber acreditar num Deus que dançasse, são eles que movimentam paixões e fanatismos semi-religiosos. Só eles têm a capacidade de nos deixar ficar mal e/ou cair em desgraça e nós ali a perdoar e acreditar. A defender perante quem ataca a legitimidade da devoção.
Também os artistas parecem ter características mártires de cristos. Penso de imediato em Maradona, Chet Baker, Elis Regina e uns tantos pintores envenenados pelo chumbo das tintas dos pincéis que afiavam com os lábios. Gente danificada pela sua arte e que agora serve de estudo de caso para que os artistas actuais, coitados, não danificados pela arte mas pela sua asfixiante falta de talento, justifiquem as depressõezinhas e demais doidois mentais.
No filme "Maradona by Kusturica" o Deus dos relvados questiona para o ar o que teria sido dele não tivesse havido a cocaína.
Eu respondo.
Teria sido o mesmo. Mas acrescia ao conhecimento mundial informal de ter sido o melhor jogador de todos os tempos o reconhecimento formal das instituições em vez do simpático e bem comportado Pelé.
E um Deus é isto. Falha por sistema mas é adorado e ouvido com atenção. Um magnetismo que move tantas montanhas como milhares de pessoas de joelhos numa catedral. Como traças a ver a luz lá vamos nós embater com o nariz no vidro.
Esta semana Maradona disse relativamente aos seus críticos, pedindo desculpa às senhoras presentes na sala, que "a" chupem e que "a" sigam chupando.
Aos Deuses tudo se perdoa.

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