8 de novembro de 2009

Goma

No dia seguinte a estar contigo não sinto a tua falta. Lembro-me de ti só raríssimas vezes e mesmo nessas vens-me à memória porque aquela cicatriz que me fizeste no lábio ainda cá está. Aquela que causamos por estar a brincar com uma goma, tu a morder um lado e eu outro, achaste que a partilha do urso, garrafa ou ovo estrelado -já não me lembro- não era justa e resolveste reclamar mais um pedaço. E nesse dia que me mordeste sangrei a rir sem imaginar que me ias tirar pedaços cada vez maiores de doçura até chegar ao azedume que acabou connosco.
Mas pronto, como estava a dizer, nesses dias seguintes a te ver, mesmo naquela nesga de tempo ao saíres para o café que bebes todos os dias às 17:15 e durante todo o caminho te observo enquanto dói cá dentro a vontade de te acompanhar. Mesmo nessa altura, não sinto a tua falta.
Mas por vezes passam mais dias e aí dou por mim a falar de ti a todos. Como se fosses um filme que ninguém podia perder ou uma música que todos têm de ouvir com urgência. Como se alguém partilhasse da minha paixão inexplicável. Um hobby exclusivo intransmissível.
O que não te disse quando te liguei foi que soube que estava a perder as estribeiras quando te vi numa fatia de fiambre. Fazia já 5 dias que não via os teus passos pequenos e cautelosos a calcar a calçada nesses saltinhos cómicos que dás quando usas saltos. Sabes as pessoas que vêem santos nas sombras e nas manchas de humidade? Lembras-te como tinhas um nome caro para essas coisas que queremos tanto ver que vemos mesmo numa coisa totalmente diferente? Pois isso aconteceu-me contigo e fiambre. Imagina o ridículo.
E eu a olhar para a sande, que como sempre às 17 e a pensar que pronto.
Vá. Já chega.
Quando te liguei só te disse
- Quero que saibas que vou mudar de emprego. Apareceu uma oportunidade e vou agarrá-la. Só tu me mantinhas aqui e pronto. Passou sabes... Se precisares de mim diz mas eu já não preciso de ti.
e tu, numa confusão de criança abandonada por um animal doméstico que julgamos vinculado por uma trela emocional que previne fugas
- Tem calma. Vais para onde? Eu ia-te ligar para irmos jantar. Resumir as coisas. Sei lá... ver se podíamos reatar o que ficou por resolver (sempre foste tão dramática a falar)
- Minha goma. Vai tudo ficar bem. Faltam-te 10 minutos para o café das dezassete e quinze. A única diferença é não teres ninguém a ver-te da janela. Atravessa sempre na passadeira e tem cuidado porque já não tomo conta de ti. Mas acredita. Se eu estou bem tu também vais ficar.
Choras e não entendo o que dizes. Quem chora tem menos doçura e talvez por isso tanta dificuldade tive, após ter chegado ao destino, a encontrar o local certo da minha cicatriz. Ao sorrir a cicatriz desaparece e a doçura volta.
Logo a mim, que antes de vir embora me precavi com um quilo de doçarias sortidas para as quais agora não tenho destino nem necessidade.

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