15 de novembro de 2009

Outono

Não é fácil ser homem. Viver num Outono permanente. Esta estranha espécie de peso amargo nos ombros. Estes segredos dolentes como o frio inesperado naqueles dias de folhas estaladiças no chão em que a roupa de Verão deixa de agasalhar e proteger.
As mulheres serão de Vénus e os homens de Marte, nem discuto essa teoria, mas sei, com toda a certeza, que os homens são Outono e as mulheres Inverno. A tristeza feminina é frontal e torrencial. Tem uns dias brandos mas depois vêem em conjunto uns tantos dias de tormenta em que só em casa se está a salvo. Os homens não chovem. Há aquele nariz pingado e os pés frios. Há as folhas ora secas e barulhentas ora húmidas e escorregadias no chão. Há a ameaça de mais humidade e mais frio que nunca se confirma.
Os homens têm em si transições tristes, pores do sol com nuvens carregadas e pés revestidos a sapatilhas molhadas pela chuva. Carregamos connosco as saudades de casa, a ver na internet vídeos da nossa cidade com a fé no sinal de banda larga que estreita o contacto com as memórias só um pequeno soluço de cada vez. Andam-nos no corpo as saudades da mulher e dos filhos, namoradas, ex namoradas e amores por cumprir.
Saudades do tempo em que as ruas eram nossas e em vez de terem um nome tinham uma pessoa. Aqueles trajectos aos quais nunca prestamos atenção até que surge a paixão por alguém que mora naquela rua. O nome da rua, o destino da linha e o número do autocarro passa a ser só o nome e a cara dessa pessoa. A angústia disso, do momento em que o nome da rua volta às placas, voltam os revisores do comboio a pedir o bilhete até ao término da linha e os autocarros aos solavancos mal sobem a rua com tanta gente apertada a pesar nas pernas do autocarro.
Os homens andam assim. Cheios de tanto frio e humidade por dentro que os ossos moem como pedaços de madeira a empapar. Andamos todos tão cheios de culpas e pecados, saudades e amores que não percebo como não somos todos um inverno continuo.
Deixem-nos chorar com os dedos na boca, o ranho a escorrer pelos lábios e as palavras a enlamear. Os nossos ombros já agradeciam o descanso e, quem sabe, com essa nossa sinceridade humilde não nasceria um pequeno sol, porque as crianças são estrelas sem planeta e são Verão e Primavera, aquelas estações nas quais todas as chuvas acabam em arco-íris.

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