22 de novembro de 2009

Primavera

Acho que a terra, aqui, secou. Aqui e no meu caminho até ao trabalho. Na terra morta, tal como num esgoto estéril, só sobrevivem as ervas daninhas como se fossem ratazanas quietas movidas a vento e fome. Das nossas árvores, nada, até as heras encontraram melhores troncos para sugar.
Passou já tempo suficiente para árvores e plantas crescerem, na borda daquele caminho que dantes percorrias comigo, e para as frutas dessas árvores e dessas plantas crescerem, amadurecerem e caírem. Mas as coisas são assim mesmo, tivesse tudo corrido de feição, com pouca geada e mais uns tantos dias de sol e já nós tínhamos tempo de sobra para pôr um fruto dentro de ti, deixá-lo crescer e amadurecer e passados nove meses cair de ti minha pequena árvore. Não bastou a paciência para nem mais um dia ou dois, quanto mais para nove meses e agora os sorrisos aparecem-me de semanas em semanas.
Como ia dizendo, passei naquele caminho onde religiosamente distribuíamos os caroços de frutas que comíamos e sementes de flores descartadas pelas floristas, na esperança de que, sei lá, qualquer coisa e no dia seguinte aquilo fosse um pomar com uma estrada no meio onde só cabiam dois pares de pés apertados pelas mãos dadas. O terceiro par podia ir ao colo como uma pêra ou rente ao chão como uma borboleta.
Agora acredita em mim porque o vi, nada cresce na lama. Do nosso caminho tão delicado fizeram um estaleiro de obra. E não, não foi o nosso éden que se tornou num destino turístico que justifica um chalé cuidado, foi sim aquele meio quilómetro de terra que ganhou um preço por metro quadrado e foi vendido às peças, despedaçado e desossado como uma carcaça onde irão um dia surgir moradias espaçosas tão estéreis como o chão que envenenaram e as famílias lá dentro a viver uma vida de flores amarelas, fruta enlatada e pão seco sob uma maldição shakesperiana que os parta todos.
Podias vir comigo lá um dia, levantávamos alguns paralelos da calçada e plantávamos uma mão cheia de pevides de melão e quem sabe, qualquer coisa e no dia seguinte nós os dois a levantar a maldição a uma das moradias com tulipas no jardim, bananas na travessa e uma borboleta rente ao chão com os teus olhos a saltitar no relvado.

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