30 de agosto de 2009

Azul

Obviamente que te procurei. No dia em que pensei escrever isto, no dia em que comecei a escrever, no dia em que rasguei a folha, nos três dias seguintes e também hoje, o dia em que finalmente reescrevo tudo.
Sim, procurei-te. Por baixo das mesas a ver se os sapatos verde sapo estavam cruzados. Procurei também por cima das divisórias das mesas na esperança que de lá emergisse a tua profunda e agitada cabeleira castanha, interrompida de madeixas azuis e daquela borboleta vítrea com que apanhas o cabelo. Andei a cheirar o ar de olhos fechados a ver, perdão, a sentir se apanhava o rasto daquele aroma que só tu tens e que enche onde tu estás.
E nada. Nem tu, nem sapatos, nem borboletas, nem perfume. Tu foste e eu aqui, ridículo e perdido. Eu que sempre disse
- Olha que eu não sou como os outros homens
e afinal sou. Ridículo e perdido e desesperado por teres partido do nosso local e não estares em nenhum dos meus ou teus.
E não era que as sombras não respondessem às ordens da tua anca nua ou tapada com aquele vestido azul caneta bic que ia tão bem com os teus joelhos. A luz a enevoar-se vergada nas curvaturas do teu doce planeta. Aqui rosado pele ou azul caneta bic, ali cinza sombreado.
Também não era que a tua voz não me agradasse, nem o teu olhar vítreo como a borboleta, se a borboleta fosse azul como é o teu olhar, me desagradou alguma vez.
Sei lá o que era que me fazia dizer
- Olha que eu não sou como os outros homens
quando não tinha mais argumentos.
No dia em que foste, com os teus joelhos, ombros e sapatos verde sapo no meio de mais uma discussão, a única que não acabou em perfumes misturados na cama ou sofá e vestido azul caneta bic no chão perguntaste-me, com calma mas sem tempo a perder
- Está bem, já percebi que não és como os outros homens. Mas afinal és melhor ou pior?
eu de boca aberta em pasmo. Sempre me bastou, contigo e com as outras antes de ti, dizer que era diferente dos outros e pronto. Vocês agradecidas por eu fazer esse favor de ser vosso e a conversa acabava ali e recomeçava numa outra direcção.
Fiquei sem responder e tu ficaste sem ficar e foste para um sítio que não é este nem nenhum dos outros por onde já passei à tua procura. Em casa ainda está o vestido azul caneta bic arrumado no teu lado do armário e o perfume meio gasto no teu lado da cómoda no caso de regressares e quereres deitar o vestido ao chão e misturar os nossos perfumes na cama ou no sofá só mais uma vez.
Não sabias dizer, antes que me faltasses tanto, que não eras uma mulher igual às outras?

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