2 de agosto de 2009

M de Madrugada

À noite, muito escuro e silencioso, na paragem de autocarro onde me acostumei e desacostumei a apanhar autocarros, um segurança ainda fardado questiona-me
- Que horas são?
e eu surpreendido com a interrupção de um qualquer pensamento lá respondi
- Uma e meia certas.
O segurança sorri
- Dá tempo para ir à praça e voltar no mesmo autocarro
sempre de olhar perdido num sorriso atravessa a estrada e senta-se na paragem onde os autocarros que passam vão para o sentido oposto ao que desejamos. Pensei que fosse brincadeira mas quando o tal autocarro para a praça passou ele entrou. Cerca de quarenta minutos depois o autocarro regressa, agora já na direcção que me interessa.
Na frente, de sorriso largo e a falar sobre qualquer coisa que não percebi com o motorista lá estava o mesmo segurança. Ignorou-me.
São estas personagens que viajam nos autocarros da madrugada. Os solitários agridoce ora sorridentes da viagem ora tristes da chegada.
Há também os casais. Genuínos como não o são os exuberantes casais de jovens das rotas diurnas. Estes casais dos autocarros nocturnos envelheceram juntos como vinho com o carvalho. Apurados a passeios e danças com a mão pousada sobre o ombro ou dada no colo com a calma aparente de um laço de marinheiro. As mãos são tão frágeis como cordas de seda mas o elo inquebrável.
Há a boa gente de trabalho que, por sair aquela hora, só pode ser muito dedicada ao que faz e vai o caminho todo a falar ainda do serviço. Aos grupos de três e quatro lá vão operários de empregos que nem sabemos que existem e que não sabem como deixar o trabalho lá.
Há os tolos que, talvez alguém saiba a resposta do porquê, têm um bom sentido de orientação e nunca se perdem nem quando os gatos ficam pardos. Fazem conversa com todos ou olham desconfiados para ninguém.
A verdade é que há poucos locais mais seguros na noite que um autocarro nocturno e a sua linha. Poucas pessoas me enternecem mais do que os seus passageiros. Cada uma com tantas histórias, um sorriso quente e um olhar desperto a quilómetros do alheamento dos viajantes diurnos.
Os motoristas à noite sorriem e conversam. Param sempre que um passageiro distraído vê o autocarro no que de dia seria tarde demais. Eles sabem do que falo.

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